quarta-feira, 12 de abril de 2017

Compreendendo e vencendo o transtorno de pânico

O transtorno do pânico é um dos problemas psicológicos mais incapacitantes e frequentes da atualidade. Além de causar sofrimento intenso e persistente, pode atrapalhar ou impedir pessoas de realizarem tarefas simples ou desfrutar de atividades anteriormente prazerosas. Ao mesmo tempo, o tratamento do transtorno na maioria dos casos é relativamente simples, desde que haja encaminhamento psicológico adequado. Muitas pessoas passam meses, anos, ou a vida inteira sofrendo os sintomas de pânico. Isso acontece por falta de uma boa compreensão do funcionamento do transtorno, e pela carência de tratamento especializado.

Na minha experiência no tratamento de pessoas com sintomas de pânico, costumo observar melhoras tangíveis no quadro do transtorno em uma ou duas sessões, e a alta do processo terapêutico geralmente acontece de dois a três meses. A remissão completa depende de certos fatores de vida do cliente. Já ouvi relatos de pessoas que observaram melhora nos sintomas apenas assistindo minhas aulas sobre o transtorno. Sabendo que a simples informação pode gerar resultados positivos, decidi escrever um texto para falar um pouco sobre esse problema. Em seguida irei descrever o que é o transtorno do pânico, como funciona, como é o tratamento, e quais fatores estão ligados a melhor ou pior prognóstico a partir de minha experiência clínica.

Como o transtorno de pânico é diagnosticado

O transtorno de pânico quase sempre é diagnosticado quando sintomas físicos recorrentes parecem não ter causa médica. Taquicardia, falta de ar, sudorese, tontura, tremores, dores ou desconforto abdominal, obstrução da garganta e visão embaçada são alguns sintomas comuns. Qualquer pessoa que sofra sintomas desse tipo tende a acreditar que está doente, e naturalmente busca ajuda médica para descobrir o que tem. Após passar por uma bateria de exames e não ser constatada causa orgânica, é levantada a hipótese de que as alterações corporais sejam sintomas de pânico.
O problema da forma como o diagnóstico é recebido é que tende-se a encarar o transtorno do pânico da mesma forma que se pensam as doenças orgânicas. Alguém exposto a certa bactérias pode contrair uma infecção e sentir dores, febre e fraqueza. É correto dizer que a infecção causou tais sintomas. O mesmo raciocínio não vale para o transtorno do pânico. Não existe um vírus, agente patogênico ou defeito neurológico que leve alguém a sentir os sintomas de pânico. “Transtorno do pânico” é apenas um termo descritivo, e não a causa do problema. Encarar o pânico como doença pode levar o indivíduo a uma postura passiva diante daquilo que está acontecendo com ele, e isso certamente diminuirá bastante suas chances de melhora. As causas do transtorno de pânico têm a ver com hábitos comportamentais e mentais, com o estilo de vida e com o ambiente da pessoa. Abaixo irei descrever que fatores podem levar ao desencadeamento do transtorno.

Como funciona o transtorno do pânico

O transtorno do pânico é um transtorno de ansiedade. Para que se entenda o pânico, é necessário entender como funciona a ansiedade.
Nosso corpo é biologicamente preparado para reagir de formas bastante específicas diante de uma ameaça. Alguém que esteja dentro de um quarto fechado durante um incêndio não se beneficiará de um estado corporal de tranquilidade e relaxamento. É vantajoso que seu corpo atinja um elevado estado de ativação e prepare-se para enfrentar o problema. A ansiedade não é nada além do que isso: o corpo se preparando para enfrentar uma ameaça ou um problema. Aquilo que é interpretado como ameaça varia de pessoa para pessoa: uma cara feia ou um boleto atrasado podem ser percebidos como bastante ameaçadores, gerando ansiedade.
Quando sentimos ansiedade diante de um problema externo e adotamos algum tipo de ação para enfrentá-lo, a ansiedade não costuma ser um problema: ela é momentânea, e termina assim que o problema deixa de estar presente. No entanto, não só uma ameaça externa gera ansiedade, mas também sinais internos: um pensamento referente a um problema ou ameaça pode gerar estados de ansiedade bastante intensos. Isso pode ser bastante problemático para pessoas que ocupam a maior parte do seu tempo pensando em problemas e preocupações. Pessoas assim serão cronicamente ansiosas.
Uma pessoa ansiosa, ou seja, aquela que passa a maior parte do tempo ruminando preocupações e antecipando problemas, tipicamente experiencia um estado corporal constante de pequena ansiedade, e habituou-se a tal ponto que considera normal. Pode sentir-se constantemente angustiada, irritada, cansada, ter dificuldade para dormir, para concentrar-se e sentir dores ou desconfortos sem causa aparente. O fato de estar acostumada com esse estado não quer dizer que seja inofensivo. Uma pessoa ansiosa é especialmente atenta e sensível a situações potencialmente ameaçadoras, e se sentirá ainda mais ansiosa diante de novos conflitos.
Um ataque de pânico é uma crise intensa de ansiedade. Quase sempre ocorre pela primeira vez em um momento de bastante estresse na vida de uma pessoa ansiosa. Ao contrário do que acontece com esse estado brando e constante de ansiedade, os sintomas de uma crise de pânico são difíceis de se ignorar: taquicardia, falta de ar, tontura, formigamentos. Como os sintomas parecem vir do nada, os pensamentos típicos são “estou morrendo”, “vou ter um AVC”, “estou ficando louco”, ou algo igualmente trágico. Desnecessário dizer, sensações corporais tão ruins acompanhadas de pensamentos tão catastróficos compõem uma experiência terrível. A reação típica é buscar ajuda médica. Exames não revelam nenhuma causa física, o que deixa o problema ainda mais assustador: se a crise vem do nada, ela pode voltar a qualquer momento!
O que transforma um ataque de pânico em um transtorno de pânico é o medo da crise. Esse medo se expressa através de constantes pensamentos de antecipação. A pessoa passa a pensar que pode voltar a passar mal a qualquer hora. Como foi dito acima, um pensamento que antecipa ameaça gera ansiedade. Preocupar-se com ter uma crise gera ansiedade. Os sinais corporais da ansiedade são bastante semelhantes aos sintomas da crise de pânico, ainda que em menor escala. Só que uma pessoa com transtorno de pânico é especialmente vigilante aos próprios estados corporais, e ao menor sinal de ansiedade pensará que está prestes a ter uma crise. O pensamento “vou ter uma crise!” gera ainda mais ansiedade, o que de algum modo confirma sua suspeita. Esse ciclo de pensamentos e sinais corporais pode crescer a ponto de efetivamente resultar em uma crise. Sem saber o que fazer, aquele que sofre desse ciclo tende a adotar uma de três estratégias: buscar ajuda médica; abandonar o que está fazendo (e às vezes ir para casa); tomar um remédio ansiolítico. Todas essas estratégias promovem alívio momentâneo, mas de forma alguma resolvem o problema.
Em síntese, o transtorno do pânico é isso: o medo de sentir medo. Isso gera um paradoxo, pois é justamente esse temor que gera os sintomas temidos. Para lidar de forma efetiva com o transtorno do pânico, é necessário quebrar este ciclo.


O tratamento do transtorno do pânico

O tratamento do transtorno do pânico costuma seguir etapas bastante regulares, que são a psicoeducação, o controle respiratório, a parada de pensamentos e a exposição.

Psicoeducação
O primeiro e mais importante passo do tratamento do transtorno de pânico é a psicoeducação, ou seja, o esclarecimento de o que é esse transtorno. Tentei fazer um pouco disso na seção anterior. O mais importante dessa etapa é que duas ideias principais fiquem bem claras:
VOCÊ NÃO VAI MORRER. Nem ter um infarto, nem ficar sem ar. É pouquíssimo provável que desmaie. O pior que pode acontecer é que você se sinta bastante ansioso, nada além disso. O pânico não representa um risco real.
SEU PENSAMENTO É SEU INIMIGO. Seu pensamento vai ficar acelerado buscando uma solução para o problema. Mas o pensamento é o problema. Quanto mais você engajar seu pensamento na busca de soluções para sua ansiedade, pior sua ansiedade ficará.
Isso deve ser bastante enfatizado. Obviamente, para assegurar alguém de que ela não está correndo risco real, é necessário que possíveis patologias físicas tenham sido descartadas.
A compreensão dessas noções tende a gerar algum alívio, mas não é suficiente. O próximo passo é aprender a lidar com os sintomas físicos de ansiedade. Isso pode ser feito através de técnicas de relaxamento, sendo a principal delas a respiração diafragmática.

Controle respiratório
A respiração de uma pessoa ansiosa tende a ser rápida e encurtada. Respirar corretamente pode controlar e interromper o crescimento dos sintomas físicos de ansiedade. A respiração apropriada para relaxamento tem duas características principais: ela é diafragmática e lenta. Para ilustrar melhor o que esses dois conceitos significam, sugiro vídeos a seguir.
Algumas variações sugerem inspirar pelo nariz e soltar pela boca, ou respirar através de um saco, ou segurar o ar por um tempo depois da inspiração. Não costumo recomendar essas coisas porque artificializam a respiração, e é importante que ela seja bastante natural.
Minha recomendação habitual é: 1) pratique a respiração 5 minutos na primeira semana; 2) execute a respiração adequada imediatamente a qualquer sinal de ansiedade no corpo.
A prática diária serve para exercitar a respiração, que pode ser difícil para algumas pessoas. É importante que o exercício seja feito em um momento de concentração, e não quando se está vendo TV ou dirigindo. Utilizar uma contagem durante a respiração ajuda a afastar pensamentos indesejados.
Quando utilizada logo no início dos sinais, a respiração costuma eliminá-los em poucos segundos, não sendo necessários os cinco minutos. Quando a crise já estiver intensa, é pouco provável que alguém consiga controlar a própria respiração.
Crises de ansiedade ou pânico não vêm abruptamente. Elas começam com pequenos sinais de ansiedade, e vão escalonando de acordo com o ciclo citado anteriormente. O uso adequado e disciplinado de técnicas de respiração costuma prevenir completamente crises intensas.

Parada de pensamento
Pense em uma cobra. Agora pense em um avião cor-de-rosa. Pense no seu filme preferido. Pense no que você estava fazendo há 1 hora. Temos razoável controle sobre nossos pensamentos, embora nem sempre tenhamos consciência disso, e nem sempre saibamos exercitar esse controle de forma vantajosa. Assim como temos uma rotina de ações, ou seja, fazemos mais ou menos as mesmas coisas da mesma forma todos os dias, também temos uma rotina de pensamentos: pensamos as mesmas coisas da mesma forma todos os dias. Quando não nos esforçamos para exercer controle voluntário sobre os pensamentos, eles seguem uma espécie de piloto automático, repetindo pensamentos com os quais estamos mais habituados. Como dito anteriormente, pessoas ansiosas rotineiramente pensam em problemas e preocupações. Assim como acontece com as ações, mudar a rotina de pensamentos é extremamente difícil, mas necessário para se vencer a ansiedade.
Em se tratando de transtorno do pânico, o primeiro passo para se livrar dos pensamentos de antecipação da crise é entender que eles são irracionais e perigosos. Falamos um pouco disso acima. Saber que os pensamentos são absurdos, no entanto, não é suficiente para se livrar deles. Eles continuam voltando insistentemente como uma criança birrenta, e é grande a tentação de dar atenção a eles.
Um exercício importante para o controle do pânico é a parada de pensamento. Ao primeiro sinal do pensamento catastrófico (alguma variação de “vou ter uma crise”), é necessário interromper a cadeia de pensamentos. Isso pode ser feito com um comando mental enfático do tipo “PARE!”. Note que, assim como um pedido educado em voz baixa de “por favor, pare” pode não surtir muito efeito para interromper a birra de uma criança, ele pode não ser eficaz na parada dos seus pensamentos negativos. Por isso um grito “PARE!” ou “CHEGA!” é preferido. Obviamente você não precisa gritar em voz alta, mas seja enfático no seu grito interno.
O “PARE!” pode afastar o pensamento indesejado por um tempo, mas é certo que ele voltará. Isso não quer dizer que a técnica não funciona. Há dois segredos para um uso bem sucedido da parada de pensamento:
1) Insista. Os pensamentos não cessarão completamente depois do primeiro comando. Geralmente é necessário repeti-lo dezenas, ou até centenas de vezes até que o pensamento comece a se enfraquecer. Na minha experiência, o primeiro dia costuma ser o mais difícil; a partir do segundo dia o pensamento começa a enfraquecer. Mesmo assim é importante continuar com a parada, porque dar vazão ao pensamento faz com que ele se fortaleça novamente.
2) Procure alternativas. A cabeça não fica vazia. Ao se livrar do pensamento negativo, você vai pensar em que? Em que deveria focar sua atenção? A resposta dessa pergunta é difícil para muitas pessoas. Quando em meio a alguma atividade importante, procure focar sua atenção naquilo que está fazendo. Em contextos que exigem menos atenção (como dirigir, ou ficar deitado), procure ocupar a cabeça com projetos pessoais ou planos interessantes. Ao contrário do que muita gente acredita, o ideal aqui não é trocar um pensamento ruim por um pensamento positivo. Por mais que você tenha uma lembrança agradável das férias para pensar, dificilmente ela será suficientemente interessante para ocupar horas do seu pensamento que geralmente eram ocupadas com pensamentos ruins.
Considero que o controle do pensamento é ao mesmo tempo a parte mais difícil e mais importante do controle da ansiedade e do pânico. Pense nesse controle como um músculo: quanto mais você exercita, mais forte ele fica. Por isso é esperado que seja difícil e desgastante no começo, mas com o tempo passa a ser algo mais natural e tranquilo.

Exposição
O medo impede que façamos coisas. Pessoas com transtorno do pânico adotam diversas medidas de evitação: evitam sair ou ficar longe de casa, evitam lugares cheios, evitam ficar longe de saídas. Também tomam medidas de precaução, como andar sempre com medicamentos ou conferir a própria pressão com frequência. São maneiras que utilizam para prevenir uma aparente ameaça.
Ainda que todos esses comportamentos provoquem algum tipo de alívio imediato, a longo prazo fortalecem a ansiedade e a gravidade do transtorno. Cria-se a ilusão de que essas medidas são necessárias, e tornam-se muletas. Alguém com transtorno de pânico severo pode se tornar uma pessoa dependente e sentir dificuldade de realizar muitas atividades diárias.
Conhecendo o funcionamento do transtorno e sabendo controlar sua ansiedade física e seus pensamentos negativos, o passo final do tratamento do pânico é a exposição a situações temidas. É necessário enfrentar aquilo que se evita, e abandonar os comportamentos de precaução. Isso deve ser feito de forma planejada e gradual, de acordo com o reconhecimento dos limites de cada um. Existe um equilíbrio delicado entre cuidado e coragem: expor-se a algo para que não se está preparado pode agravar o problema; no entanto, uma pessoa ansiosa nunca se sentirá totalmente preparada e motivada para encarar situações ameaçadoras, de forma que é preciso vencer os próprios limites.
A forma exata como isso é feito varia muito de caso para caso. Costuma ser mais fácil com a ajuda de uma outra pessoa, especialmente se essa pessoa tiver uma postura adequada  - que não seja de excessiva cobrança e crítica.


Quando e como procurar ajuda

Se você sente sintomas físicos e acredita que podem ser de pânico, recomendo que procure primeiro um médico. É fundamental saber se esses sintomas são resultados de alguma patologia física, ou se são de origem psicológica. Mas caso você tenha se identificado com muito do que foi falado acima, muito provavelmente o que sente é mesmo o transtorno do pânico.
Identificado o pânico, minha recomendação inicial é que não procure um psiquiatra. Ele lhe receitaria remédios para redução dos sintomas de ansiedade, e muitas vezes esses remédios tem o mesmo efeito que o controle respiratório. Além disso, têm pouco ou nenhum efeito sobre pensamentos negativos e comportamentos de evitação. O transtorno de pânico não se trata com remédios, embora eles possam auxiliar no alívio dos sintomas.
Procure seguir as orientações que descrevi acima. Se não forem suficientes, procure um psicoterapeuta qualificado para trabalhar especificamente com esse tipo de problema. Qualquer tratamento psicológico adequado do transtorno de pânico deve seguir em algum grau as recomendações que dei acima – se ele se distanciar muito, desconfie. Se mesmo seguindo um tratamento que pareça fazer sentido os sintomas físicos ainda forem muito incômodos, o uso de medicamentos poderá ajudar a reduzir a ansiedade, sendo necessária a ajuda de um psiquiatra.
Tudo aquilo que reduz ansiedade também será útil para o controle dos sintomas de pânico. Recomenda-se a prática de exercícios físicos, da meditação, e de atividades agradáveis e tranquilas.

Prognóstico

Com tratamentos nos moldes que descrevi acima, o quadro do pânico costuma melhorar muito rapidamente. Em poucas semanas a pessoa pode voltar a viver uma vida completamente normal. O tratamento pode demorar mais quando ele é iniciado muitos anos após a persistência do transtorno, mas ainda assim o prognóstico costuma ser bom.
O prognóstico do transtorno tende a ser pior quando há fortes fatores geradores de ansiedade na vida da pessoa: conflitos interpessoais, rotina de trabalho muito pesada, outros transtornos psicológicos, ou qualquer problema sério o qual se tenha dificuldade para enfrentar. Ansiedade envolve mais do que hábitos mentais – é uma resposta a determinados estilos de vida. É ilusório e praticamente impossível que se atinja uma remissão completa dos sintomas sem importantes mudanças no estilo de vida. Quando essas mudanças não são atingidas, é esperado que o pânico, ainda que melhor, mantenha-se em um nível baixo porém crônico. A ansiedade permanece lá, como um aviso de que existe alguma coisa errada.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Terapia comportamental: o que ela é, o que ela não é, o que ela deveria ser

A discussão sobre escolha de abordagens na Psicologia é sempre delicada. Alguns estudantes e profissionais encaram as abordagens como religiões: doutrinas a serem seguidas fanaticamente que implicam automaticamente na negação de formas diferentes de pensar. Outros como técnicas: todas são válidas, e sua escolha depende da demanda a ser atendida. Ainda que haja estudos demonstrando a maior eficácia de algumas formas de tratamento sobre outras em relação a certos problemas clínicos, por experiência posso dizer que no "mundo real" não existem abordagens terapêuticas absolutamente superiores. Eu pessoalmente acredito na superioridade da abordagem comportamental como modelo teórico e explicativo em relação às outras teorias da Psicologia, mas não tenho segurança em dizer que os terapeutas comportamentais são necessariamente os melhores terapeutas, por um motivo muito simples: a diferença na forma como terapeutas diversos trabalham é muito grande, mesmo dentro de uma única abordagem.

Acredito que dentro da Análise do Comportamento o problema é ainda maior, por se tratar de uma abordagem que não nasceu na clínica. A Psicanálise, por exemplo, é uma teoria que se desenvolveu dentro do consultório: sua visão de homem e forma de pensar os problemas humanos estão intimamente atrelados aos métodos terapêuticos que utiliza. O mesmo pode ser dito sobre outras formas de psicoterapia, como o Psicodrama e a Gestalt-Terapia. Assim sendo, há de se esperar que terapeutas nessas abordagens trabalhem de forma um pouco mais uniformizada. O mesmo não pode ser dito sobre a Análise Comportamental: é uma ciência que nasceu em laboratório, e seu modelo descritivo e explicativo não está intimamente atrelado a um modelo prescritivo, de modo que o domínio da teoria não implica em um direcionamento claro de como o trabalho psicoterapêutico deve ser conduzido. Terapeutas diferentes podem ter formas de trabalho muito distintas, e ainda assim serem considerados terapeutas comportamentais. Ainda que a diversidade que decorre disso possa ser vantajosa, a falta de clareza de como um terapeuta comportamental deve atuar pode gerar problemas.

Tanto no meio acadêmico como entre os profissionais da saúde, a terapia comportamental é conhecida por ser uma abordagem mais objetiva, focal, e com resultados mais rápidos. Essas são características atraentes tanto para alunos que buscam formação em psicoterapia quanto para clientes que querem trabalhar suas demandas em consultório. No entanto é feita uma confusão bastante problemática: o fato de serem focais e breves decorre da forma objetiva de se pensar o comportamento nesta abordagem; adotar uma visão comportamental torna o trabalho mais focal, e por isso mais veloz. O contrário não é verdadeiro: trabalhar de modo focal e rápido não necessariamente te faz um terapeuta comportamental.

O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL NÃO É
Dentre aquilo que vejo sendo praticado com o rótulo de terapia comportamental, há duas condutas e visões que considero bastante equivocadas.

Terapia como utilização de técnicas
Muitas técnicas foram desenvolvidas a partir do conhecimento da Análise do Comportamento, a maioria delas com eficácia incontestável. No entanto, a utilização destas técnicas não caracteriza uma terapia comportamental, da mesma forma que deitar em um divã não caracteriza uma sessão de análise. Frequentemente vejo pessoas buscando terapeutas comportamentais e sendo submetidas a um punhado de técnicas de relaxamento, tarefas de casa, folhas de registro, ensaios comportamentais e coisas do tipo. Obviamente são técnicas úteis em muitos casos, mas uma psicoterapia que se limita a isso será necessariamente pobre. Clientes que passam por terapias assim costumam ter resultados rápidos, porém limitados e pouco duradouros. A utilização da técnica não pressupõe conhecimento da teoria que a embasa, e por esse motivo, não é suficiente para caracterizar uma terapia como comportamental.


Terapia como conselhos
Essa ideia pode parecer boba e ridícula por motivos óbvios, mas é surpreendentemente mais comum do que se esperaria. Ouvir o cliente relatar seus problemas e dizer a ele como ele poderia agir é dar um conselho. O termo "conselho" soa feio ao se referir à conduta terapêutica, mas é o que acontece em momentos como:

Cliente: "Tenho me sentido muito sobrecarregado no trabalho... meu chefe me passa mais atribuições do que consigo executar."
Terapeuta: "Você não acha que deveria conversar com ele e dizer que não consegue?"

ou

Cliente: "Tenho tido muita dificuldade para dormir... vou deitar às 2h da manhã, e tenho que acordar às 6h, sinto sono o dia inteiro."
Terapeuta: "Que tal tentar deitar mais cedo?"

ou

Cliente: "Tenho tido gastos exagerados... todos os meus cartões estão com o limite estourado, e estou acumulando dívidas. Não consigo controlar minhas finanças".
Terapeuta: "Então vamos estabelecer um limite de o quanto você poderá gastar por mês?"

o que se resume a

Cliente: "Estou fazendo X."
Terapeuta: "Que tal fazer Y?"

Parece uma forma muito boba de se conduzir uma terapia, e é. Não pressupõe conhecimento teórico. Mas é uma forma focal e prática de lidar com demandas clínicas, e por esse motivo muita gente acredita que é assim que trabalha um terapeuta analítico-comportamental. Não é verdade. E além de tudo, não funciona.


ENTÃO O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL É?
A melhor resposta para essa pergunta seria dizer que é uma terapia que se fundamenta na ciência denominada Análise do Comportamento. Não sendo uma ciência de caráter prescritivo, não existe um direcionamento específico para como o analista do comportamento deve atuar em consultório, e é natural que os métodos de trabalho sejam diversos. O que deve existir de comum é que qualquer terapia que se denomine comportamental baseie toda sua forma de trabalho e seus métodos interventivos nessa teoria. Se o terapeuta não tem clareza da forma como a teoria embasa seu trabalho, ele não é um terapeuta comportamental.

O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL DEVERIA SER
Antes de ser uma terapia, a Análise Comportamental é uma teoria, um modelo explicativo, uma forma de entender os porquês do comportamento humano. O primeiro passo de uma análise comportamental é (adivinha!) analisar o comportamento. Se o cliente se comporta de forma que lhe traz sofrimento não é porque ele é burro. Se ele deixa de se comportar da forma que lhe faria bem, não é porque faltam conselhos. Em uma visão comportamental, os porquês estão ligados à uma análise funcional do comportamento. Ainda que numa visão descuidada algum comportamento possa parecer errado ou problemático, num olhar cuidadoso e teoricamente fundamentado, todo comportamento é funcional, todo e qualquer comportamento faz sentido dentro do contexto do indivíduo. A forma como ele se comporta é a forma como encontrou para atender as demandas de sua vida e de seu contexto. Sem essa compreensão, qualquer intervenção terapêutica tende a ser limitada e pouco efetiva.

Na graduação, quando estudamos a relação entre estímulos e respostas no respondente e no operante, a grande mágica da coisa é entender que, dada essa análise, sabemos exatamente o que no ambiente precisa ser mudado para que o comportamento mude. É lindo, e funciona. Em alguns casos essas relações são simples, mas na maioria das vezes bem complexas. Essa complexidade pode ser assustadora, mas nem por isso devemos deixar de enfrentá-la. Muitas vezes o processo terapêutico torna-se lento não porque lhe faltam intervenções efetivas, mas às vezes levamos tempo para fazermos uma boa análise funcional, para atingir uma compreensão adequada dos problemas do cliente.



Quando o terapeuta compreende a função do comportamento, a aceitação é uma decorrência natural. As noções de aceitação incondicional e não julgamento são bastante comuns em diversas psicoterapias. Na Análise Comportamental, a aceitação não é só uma questão ética, mas também teórica. A partir do momento em que se consegue fazer uma análise funcional do comportamento, todo comportamento passa a ser "certo". Mais do que isso, julgar o comportamento como certo ou errado não tem qualquer utilidade interventiva. O ponto de partida do terapeuta é compreender, e não avaliar.

Esse entendimento precisa ser dividido com o cliente. A maioria das pessoas que sofrem de problemas clínicos importantes têm pouca compreensão da origem e da manutenção de seus problemas. Muitas vezes, a partir do momento que adquirem maior conhecimento desses fatores, são capazes de tomarem decisões efetivas para solução de seus problemas. O indivíduo torna-se capaz de modificar seu ambiente de forma esclarecida, trazendo as mudanças desejadas ao próprio comportamento e a si mesmo. Passa a ter mais autonomia e independência no enfrentamento de seus problemas, o que viabiliza uma alta do processo terapêutico. A terapia deve ser promotora de autoconhecimento.

Nem sempre o autoconhecimento é suficiente para que as mudanças desejadas sejam atingidas. O terapeuta é uma parte especial do ambiente do cliente, e nesta posição pode criar contingências que favoreçam a aprendizagem e as modificações comportamentais desejadas, mesmo quando o ambiente externo não é tão favorável. Assim sendo, a função do terapeuta não é só informativa, mas contingencial, e por esse motivo deve estar muito atento a forma como se relaciona e se porta diante de seus clientes.

Por fim, ele pode sim utilizar técnicas, tarefas de casa, sessões extra-consultório, formulários de registro, ou qualquer outro instrumento que tiver à disposição, desde que aquilo faça sentido dentro da compreensão teórica que estabeleceu sobre o caso. Esses instrumentos são um meio, e jamais devem ser tomados como fim.

PALAVRAS FINAIS
Aos terapeutas comportamentais: estudem teoria.
Aos clientes de qualquer tipo de terapeuta e a todos os outros seres humanos: não adianta tentar resolver seus problemas se você não consegue compreender porquê eles existem.

Nota: Utilizei terapia comportamental e terapia analítico-comportamental como sinônimos ao longo do texto. Entendo que "terapia comportamental" pode se referir a outras coisas, mas aqui faço referência às terapias de base analítico-comportamental, que é o que importa nos dias de hoje.

domingo, 27 de setembro de 2015

Anabolizante psicológico

Há não muito tempo atrás, uma referência de homem forte seria alguém assim:


Ou no máximo assim:


Hoje, homens com esses corpos não se destacariam tanto. Homens que buscam um corpo realmente musculoso colocam metas mais altas como:


E até:


Mas a mudança cultural não foi acompanhada por mudanças biológicas proporcionais. Não há motivos para acreditar que um homem dos dias de hoje esteja fisiologicamente mais apto para o desenvolvimento de massa muscular do que os homens de quatro décadas atrás. Ainda que avanços no campo do treinamento e da alimentação favoreçam o crescimento muscular, o fato bem conhecido é que qualquer homem realmente forte nos dias de hoje toma ou já tomou algum tipo de anabolizante.

É o tipo de coisa que todo mundo faz mas ninguém fala. O uso indevido de anabolizantes pode causar diversos prejuízos a saúde. Mas o uso controlado é o que torna possível que um homem de quase 50 anos de idade tenha um corpo assim.


Não se iluda: todos esses bombadinhos que você vê por aí usam ou já usaram. O intuito desse texto não é advogar a favor nem contra. Mas para eu chegar onde quero, vamos entender o que realmente é um anabolizante.
Os esteróides androgênicos anabólicos (EAA ou AAS - do inglês Anabolic Androgenic Steroids), também conhecidos simplesmente como anabolizantes, são uma classe de hormônios esteróides naturais e sintéticos que promovem o crescimento celular e a sua divisão, resultando no desenvolvimento de diversos tipos de tecidos, especialmente o muscular e ósseo. São substâncias geralmente derivadas do hormônio sexual masculino, a testosterona, e podem ser administradas principalmente por via oral ou injetável. (Wikipedia)
Portanto, o que um anabolizante faz a grosso modo é suplementar a produção natural de testosterona do corpo, o que é feito com objetivos de aumento de ganho muscular.

Além dos efeitos colaterais e dos prejuízos pelo mal-uso, um dos problemas com o uso de anabolizante é que seus efeitos não são duradouros. Após o término de um ciclo do uso do medicamento, os níveis de testosterona do usuário voltam a baixar, e muitas vezes ocorre perda significativa do ganho obtido pelo seu uso. Ainda que haja métodos para minimizar essas perdas, a maioria dos homens, após algum tempo, sentem necessidade de voltar a realizar um ciclo para manter o crescimento muscular. Com o uso prolongado de substâncias desse tipo, a produção natural de testosterona do corpo pode diminuir, fazendo com que a pessoa experiencie perda de massa muscular e outros efeitos indesejáveis.

Foi isso o que provavelmente aconteceu com Vitor Belfort, por exemplo: começou a lutar em uma época na qual se fazia vista grossa para o uso dessas substâncias. Quando os eventos se tornaram mais rígidos em relação a testes anti-dopping, parou de usar anabolizantes, mas como seus níveis naturais de testosterona já estavam muito baixos, precisou fazer TRT (terapia de reposição hormonal - o que não é tão diferente). Depois que o UFC baniu o TRT, as mudanças tanto no corpo quanto no desempenho de Belfort foram nítidas.


Por esse motivo, aqueles que realmente se dedicam ao crescimento muscular investem em outros métodos para elevação dos níveis de testosterona, sobretudo adaptações no treinamento e mudanças na alimentação.

O que pouca gente sabe é que a produção de testosterona é bastante sensível a fatores psicológicos, e que o controle adequado desses fatores pode levar a um aumento natural na produção desse hormônio sem a utilização de qualquer substância ou artifício externo.


Além da regulação de atividades fisiológicas, diversos estudos experimentais e correlacionais vem mostrado que níveis elevados de testosterona estão ligados a um aumento em:
  • Agressividade/dominância
  • Interesse sexual
  • Energia, disposição e foco
  • Bem-estar geral e auto-estima
  • Egoísmo
O que vem sendo questionado recentemente, no entanto, é se a relação entre níveis de testosterona e tais variáveis psicológicas é unidirecional. Em outras palavras, o questionamento feito é: um nível elevado de testosterona pode predispor um indivíduo a agir de forma mais dominante... mas agir de forma dominante poderia também elevar os níveis de testosterona?

Há um bocado de estudos que dão suporte a essa ideia. Comecemos pelos animais. Em espécies sociais hierarquizadas, como macacos, o líder do grupo costuma exibir níveis de testosterona mais elevados do que os outros indivíduos. Se em função de alguma disputa ou incidente o líder é substituído, aquele macaco que assumir a liderança apresenta rápidas e imensas elevações nos seus níveis de testosterona. Ou seja, estar em uma posição de liderança/dominância provoca grandes elevações na produção desse hormônio.

Em animais é observado também que logo antes do início de uma disputa (por exemplo, quando machos vão lutar pelo direito de acasalar com uma fêmea), o nível de testosterona dos competidores sofre uma pequena elevação. Terminada a disputa, a testosterona do vitorioso tem um aumento muito maior, e a testosterona do perdedor tem uma grande queda.

Os mesmos efeitos têm sido observados com humanos em situações de competição, como em disputas esportivas ou mesmo em videogames.

Allan Mazur é o propositor de um modelo de reciprocidade entre variáveis psicológicas e níveis de testosterona. O autor considera que o correlato comportamental principal da testosterona é a dominância. É fácil entender como as características psicológicas descritas acima são úteis para alguém que busca ou mantém uma posição de liderança. Do mesmo modo, é vantajoso que indivíduos em posições de submissão tenham um baixo nível de agressividade, interesse sexual e egoísmo, pois eles poderiam ser uma ameaça para a organização hierárquica do grupo. Não coincidentemente, níveis altos de testosterona estão associados a comportamentos anti-sociais, o que faz sentido em indivíduos que não ocupam posições de liderança, mas também não se submeteriam às normas grupais. Um outro dado interessante é que homens apaixonados e casados têm uma queda nos níveis de testosterona, uma vez que se colocam em uma posição de maior colaboração e altruísmo.

Em um estudo bastante interessante, pessoas foram atribuídas aleatoriamente a dois grupos. Em um grupo, invidíduos deveriam passar dois minutos assumindo "power poses" (posturas de poder), enquanto as pessoas do outro grupo deveriam passar o mesmo tempo em posições de retraimento. Com apenas dois minutos de assunção da pose forçada, foram observadas mudanças significativas nos níveis de testosterona dos participantes: aqueles que estavam na postura de poder tiveram um aumento, enquanto que os demais sofreram o efeito oposto.


Eu poderia continuar revendo a literatura científica da área, mas acredito que a maioria das pessoas que está lendo isso se interessou na possibilidade de um "anabolizante psicológico" e não se importa tanto com as firulas científicas, então vou direto ao ponto: existe uma relação bidirecional entre dominância e testosterona. Da mesma forma que elevação na testosterona resulta numa predisposição a características psicológicas ligadas à dominância (agressividade, egoísmo, auto-estima elevada), assumir uma posição de dominância eleva a testosterona. Quando digo "assumir uma posição de dominância", incluo posturas corporais, pensamentos e comportamentos competitivos.

Ainda não existe um método cientificamente estabelecido para aplicabilidade desse conhecimento. É algo que eu gostaria de pesquisar futuramente. Mas a princípio conseguiria pensar em duas formas de induzir um aumento dos níveis T de modo psicológico.

  1. O primeiro deles é mais difícil e provavelmente mais efetivo, que seria uma mudança duradoura de atitude: comportar-se (e pensar) de forma mais dominante, talvez agressiva, competitiva, com algum tipo de imposição de superioridade. Isso seria mais fácil, obviamente, para um indivíduo que ocupa uma posição compatível (como um chefe). Se não for o caso, exigiria um grande nível de esforço mental, e um trabalho psicológico que talvez eu não consiga descrever aqui... mas basicamente, uma espécie de auto-lavagem cerebral.
  2. O segundo é mais fácil, mais simples, embora não saiba dizer o quão efetivo seria, e envolveria exercícios pontuais, como a adoção das posturas de dominância (power poses) em horários específicos, e talvez alguns exercícios de imagem mental para simulação de situações de dominância (cenários mentais). Até jogar video-game poderia gerar algum tipo de resultado, desde que você vença (obviamente) e que envolva algum nível de tensão (não pode ser muito fácil). Eu sei que os níveis de testosterona do homem variam muito rapidamente e flutuam ao longo do dia, então não saberia dizer com exatidão os melhores momentos para isso. Mas começaria pensando numa rotina pré-exercícios, envolvendo posturas e atividades competitivas resultando em vitória, e uma rotina mental deitado na cama logo antes de dormir, com imaginação de cenários de dominância.
Em poucas palavras: não importa que você seja realmente foda. O importante é que você acredite nisso, e aja de acordo.

Experiência pessoal: quando comecei a levar essas ideias a sério e sintonizar minha cabeça e meu comportamento com o "modo dominante", ganhei 1,5kg em uma semana, o que para mim é muita coisa, nunca tive ganhos tão rápidos. Não tenho certeza se foi reflexo de um aumento de produção de testosterona, mas me parece plausível. O problema mesmo, de um ponto de vista psicológico, foi manter essa sintonia: cansa, torna-se artificial e desgastante.


Acredito que esse seja mais um campo a ser melhor explorado e estudado, e ainda não existem boas respostas. Mas a mudança de hábitos ou criação de rotinas psicológicas parece ser uma ferramenta promissora para o aumento natural da produção de testosterona, o que poderia se converter em melhores ganhos na academia, além de outros benefícios para a saúde mental e física.

É importante destacar também que a testosterona e o cortisol (hormônio ligado ao estresse) são reciprocamente inibidores. A exposição frequente prolongada a situações de estresse aumenta a produção de cortisol, o que bloqueia os efeitos da testosterona além de promover outros efeitos indesejáveis como perda de libido, mal-estar, disfunções eréteis, aumento no acúmulo de gordura e baixa imunidade. Válido dizer que o estresse, assim como a dominância, não está necessariamente relacionado à exposição a situações bastante estressoras, mas à forma como se lida com elas - para algumas pessoas, mesmo situações cotidianas simples podem gerar muita preocupação e estresse, o que teria um efeito na produção de cortisol. Portanto, para que se atinja os resultados desse possível método, é fundamental manter a saúde mental em dia.

Veja também:
Relatos de um homem que dobrou sua produção natural de testosterona com alimentação, treinamento e mudança de hábitos.

Posturas de macho alfa nos exercícios para aumento da testosterona.

Modelo de Allan Mazur da reciprocidade entre dominância e testosterona.

Amy Cuddy falando sobre postura corporal, auto-confiança e testosterona (TED Talk)

*Observação: toda a discussão feita nesse texto refere-se a testosterona em homens. O funcionamento desses processos em mulheres pode variar.

sábado, 27 de junho de 2015

Porque o psicólogo não pode ser homofóbico

Após a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos e da onda de fotos coloridas no Facebook, a discussões entre os defensores da igualdade e os homofóbicos esquentou nas redes sociais. Assim como todos aqueles que são a favor dos direitos iguais quiseram defender essa bandeira através de suas fotos de perfil, muitas pessoas que são contra as relações homoafetivas também sentiram-se pressionadas a se posicionar.

Essa briga existe desde que o mundo é mundo, e é claro que não é agora que ela vai se resolver. Quando criticados, um dos principais argumentos das pessoas homofóbicas é "eu tenho direito de ter minha opinião, se você não a aceita intolerante é você". Até certo ponto faz sentido. Realmente concordo que uma pessoa tem direito a se posicionar contra relações homossexuais, contra o casamento homossexual ou qualquer coisa ligada à homossexualidade. Se uma pessoa adota para si uma religião que condena a homossexualidade, nada mais coerente do que ela própria condenar também. É um posicionamento pessoal, e deve ser respeitado (dentro de limites legais e éticos).

No entanto, me incomoda um pouco o fato de ver muitos psicólogos e alunos do curso de Psicologia adotando esse posicionamento, e o defendendo abertamente. No meu entendimento, é incompatível ser psicólogo e ser contra a homossexualidade ou as relações homoafetivas, independente de qualquer individualidade e idiossincrasia do profissional da Psicologia. Escrevo este texto para tentar explicar o porquê.



Ainda que no campo teórico exista muita pluralidade em relação ao que a Psicologia é – quais seus métodos e objetos de estudo, em que conceitos e instrumentos deve se pautar – enquanto profissão a Psicologia é bastante singular. A Organização Mundial de Saúde define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. A Psicologia é frequentemente considerada como uma profissão da área da saúde, e uma das batalhas da classe é assegurar nosso espaço como responsáveis pela promoção da saúde de indivíduos e grupos. Sendo assim, em qualquer contexto no qual trabalhe, o objetivo de um psicólogo sempre será promover o bem-estar físico, mental e social (sobretudo os dois últimos) das pessoas.

Esse objetivo, obviamente, não é exclusivo da Psicologia. Poder-se-ia argumentar que uma prostituta, de algum modo, trabalha para promover o bem-estar do seu cliente. Vários outros profissionais trabalham com objetivos similares. O que distingue a Psicologia é o tipo de procedimentos e conhecimentos nos quais se fundamenta. Ainda que existam discussões internas sobre a legitimidade do uso do termo “ciência”, qualquer conhecimento dito psicológico deve ter bases científicas, ou então será apenas senso comum. O curso de Psicologia é longo e caro; acredito que ninguém se dispõe a passar cinco anos no banco da faculdade para, depois de formado, trabalhar na base do senso comum. Sendo assim, acho razoável dizer que a profissão da Psicologia envolve o uso de conhecimentos psicológicos científicos para promoção do bem-estar de indivíduos e grupos. Sem exceções.

Sob essa ótica, para que um psicólogo se posicione contra qualquer tipo de relação homossexual, ele deve acreditar que este tipo de comportamento ou característica do indivíduo possa lhe trazer algum prejuízo à sua saúde e ao seu bem-estar. De fato, por muito tempo o homossexualismo foi considerado uma doença (por isso o –ismo), sendo listada no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) como um desvio sexual. Essa noção caiu há mais de 40 anos, e desde 1973 a homossexualidade oficialmente deixou de ser considerada um transtorno mental. A posição adotada então, e que vigora até hoje, é que a homossexualidade não é doença, e por isso não deve ser tratada como tal.

O fato de não ser uma doença não implica, evidentemente, que não deva ser alvo de intervenções psicológicas. Qualquer prática ou característica individual que traga sofrimento ao indivíduo, a princípio, pode ser um foco de intervenção por parte de um psicólogo. A pergunta agora é: a homossexualidade é um fator de sofrimento para o indivíduo? Se sim, como deve ser tratado?


Como quero ter o máximo de embasamento científico para o que estou falando, decidi fazer uma busca para saber se homossexuais são menos felizes que heterossexuais. Para minha surpresa, encontrei indicativos de que sim em um estudo que afirma que homossexuais têm maior risco de desenvolver transtornos mentais.

“Taxas de depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, auto-lesão, pensamentos suicidas e dependência de álcool e drogas foram significativamente maiores nos respondentes homossexuais. Quatro porcento tiveram um episódio depressivo na última semana, comparados com dois porcento das pessoas heterossexuais. A taxa de dependência de álcool foi de 10% versus 5%, e de auto-lesão foi de 9% versus 5%. A propoção de pessoas homossexuais que se descreveram como sendo razoavelmente ou muito felizes foi de 30%, versus 40% das pessoas heterossexuais”.

Ainda que as diferenças numéricas não sejam grandes, o fato de serem estatisticamente significativas parecem um forte argumento a favor daqueles que defendem a homossexualidade como algo negativo do ponto de vista psicológico. Mas não surpreendentemente, a explicação adotada pelos pesquisadores que têm chegado a esses dados está justamente nessa visão da homossexualidade como algo negativo:

“Há várias razões pelas quais as pessoas gays podem ter maior propensão a relatar dificuldades psicológicas, o que inclui dificuldades no desenvolvimento em um mundo orientado por normas heterossexuais, os valores e a influência negativa do estigma social contra a homossexualidade.”

Ou seja, paradoxalmente, é justamente o preconceito, mesmo travestido de tentativas de "ajudar" os homossexuais, é que faz com que sofram. Não há indícios científicos concretos de que a orientação sexual de uma pessoa esteja inerentemente acompanhada de sofrimento ou mal-estar; este sofrimento acontece quando sua condição não é aceita.


Falando em pesquisa, alguns outros dados que encontrei:

Sobre diferenças na personalidade, em vários traços as lésbicas tendem a ter características próximas aos homens heterossexuais, assim como homens gays tendem a ter traços de personalidade próximos a mulheres heterossexuais. Essa diferença de traços de personalidade tem paralelos em diferenças no funcionamento cerebral. No entanto, para além da masculinidade-feminilidade, não parece haver diferenças importantes na personalidade entre homossexuais e heterossexuais.

Quanto à união homoafetiva, há estudos internacionais que mostram que ela tende a ser tão estável quanto as uniões heteroafetivas. Além disso, outros estudos mostram que crianças criadas por casais do mesmo sexo não têm uma vida pior do que crianças criadas por casais homem-mulher.

Sendo assim, além do fato de se relacionarem afetiva e sexualmente com pessoas do mesmo sexo, não existe nenhuma característica em pessoas homossexuais que poderia ser um fator de sofrimento. E se não traz sofrimento, não deve ser alvo de intervenção psicológica.

Mais do que isso, diante do que se tem documentado até hoje, a orientação sexual é efetivamente “intratável”. Não existem relatos científicos confiáveis de qualquer procedimento capaz de modificar a orientação sexual de uma pessoa. Aqueles que se dizem “ex-gays” são pessoas que conseguiram se conter no sentido de não se engajar em relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, mas isso não implica que algo na sua sexualidade ou preferência sexual efetivamente tenha sido modificado. Além disso, relatos de tentativas da chamada “terapia de conversão” têm mostrado efeitos psicológicos bastante indesejáveis nos participantes, eventualmente resultado em suicídio.

Poder-se-ia argumentar que a homossexualidade é um problema psicológico legítimo para alguém que vive em um contexto homofóbico, pois essa pessoa sofrerá por ser vítima de preconceito. Várias vezes já ouvi homossexuais dizendo “se eu pudesse escolher, seria muito mais fácil ser heterossexual”, assim como pais de homossexuais dizendo “eu não quero que meu filho seja gay por medo de que sofra preconceito”. Mudar para se “ajustar ao meio” não é em si de todo indesejável. Mas quando é o próprio interesse de mudança que traz sofrimento ao indivíduo e essa mudança nem mesmo é possível, deixamos de ter um problema tratável. Se o psicólogo quer realmente trazer saúde e bem-estar a essa pessoa, o único caminho possível é a aceitação.


O ponto ao qual quero chegar é: para a Psicologia a homossexualidade é apenas uma característica individual, não é uma doença, ou um problema, ou um transtorno, ou nada que possa ser patologizável. Essa não é a posição de algumas psicologias, e sim da profissão como um todo. Sendo assim, não cabe ao psicólogo julgar a homossexualidade como algo ruim. Aquele que o faz está colocando seus próprios valores pessoais (ou morais, ou religiosos, ou familiares, ou quaisquer que sejam) na frente da sua profissão. A pessoa que vai até um psicólogo está em busca de um saber científico que possa trazer-lhe bem-estar, e não de uma pessoa que vá tentar lhe impor seus próprios valores pessoais.

O problema do psicólogo homofóbico não é só a homofobia, porque se fosse ele poderia, em tese, simplesmente não atender homossexuais (como já vi muitos estudantes de psicologia declarando que não fariam) e continuar sendo um bom profissional com o resto da população. Mas um psicólogo incapaz de exercitar aceitação acima de seus valores individuais simplesmente não está sendo profissional. Essa pessoa estará fazendo um péssimo exercício da profissão.

Peço a todos os meus alunos, estudantes e profissionais da área que tenham preconceito com qualquer tipo de população que pensem com muito carinho no seu verdadeiro papel enquanto psicólogo, e também nessas pessoas as quais estão rejeitando. No final das contas, tudo se resume ao que efetivamente nos fará bons profissionais capazes de trazer bem estar àqueles que procuram nosso trabalho. Aqueles que não conseguem encontrar em si a capacidade de aceitar o ser humano incondicionalmente (pois a aceitação precede qualquer trabalho do Psicólogo), pelo menos se esforcem um pouquinho para não denegrir a profissão daqueles que estão tentando fazer a coisa do jeito certo.

Veja também:

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Três tiros que saem pela culatra

Ou “Três coisas que, quanto mais você se esforçar para fazer, maiores suas chances de falhar!” (E pelo mesmo motivo).

Estamos acostumados com a ideia de que quanto mais nos esforçamos para obter algum resultado, melhores esses resultados serão. Em algumas situações, no entanto, esforço não é sinônimo de sucesso. Veja alguns casos em que, quanto mais você tentar, mais provavelmente irá fracassar.



1 – Dormir
A insônia é o transtorno do sono mais comum, e caracteriza-se pela dificuldade de iniciar ou manter o sono, assim como pela sensação de não ter tido um sono reparador. Ela pode ter causas diversas, algumas ligadas ao ambiente no qual se dorme, aos hábitos diários da pessoa, à ingestão de substâncias, e algumas delas de origem psicológica.

Fazendo uma rápida busca na Internet, você vai descobrir infindáveis páginas com as mais variadas dicas para driblar a insônia e dormir bem. Sem tirar o mérito dessas estratégias, parece haver um elemento comum nas dificuldades de dormir: quanto mais importante é que durmamos, mais difícil se torna dormir. “Amanhã vai ser um dia difícil, preciso estar bem descansado!” parece ser um convite para a insônia. Para algumas pessoas, ter um tempo restrito de sono acaba gerando ainda mais dificuldade (“Tenho que acordar daqui a pouco, por quê não consigo dormir?”). Nem precisa dizer que comandos mentais do tipo “dorme logo!” não ajudam muito.


O problema está no fato de que, para dormir, o organismo precisa atingir um estado de relaxamento e de redução da atividade geral do corpo. O corpo precisa parar de trabalhar para descansar. O que poucas pessoas reconhecem é que a atividade mental também demanda que o corpo trabalhe. Pensamentos intensos, em especial preocupações, deixam o corpo em um estado de alerta. Quando você pensa algo como “preciso resolver esse problema amanhã”, o corpo interpreta de forma muito semelhante a “preciso resolver esse problema agora”, o que gera um estado de ansiedade e ativação, com função de preparar para ação. Esse estado de ansiedade é incompatível com o sono, e não vai deixá-lo dormir. Pensamentos como “preciso dormir”, “amanhã é um dia importante” têm o mesmo efeito.

A solução é: se você está com dificuldades para dormir, é melhor aceitar e se conformar do que lutar contra isso. Deixar de lutar é uma forma de facilitar o sono. A famosa estratégia de contar carneirinhos pode ter seu fundamento aí: quando você distrai sua mente com pensamentos neutros, evita que os pensamentos que te mantêm acordado tomem conta.


2 – Mentir
Muito se discute sobre a possibilidade de perceber quando uma pessoa mente através da observação de seus gestos e expressões faciais. A série Lie to Me, ainda que fundamentada em uma literatura científica, tem propagado os mitos de que alguns sinais denunciam quando as pessoas estão mentindo. Tendo estudado e pesquisado detecção de mentiras por um tempo, cheguei à conclusão de que a resposta para a maioria das perguntas sobre o tema é: depende. Nem sempre emitimos sinais quando estamos mentindo, nem todas as pessoas emitem os mesmos tipos de sinais, e uma mesma pessoa se comportará de forma diferente quando mente sobre coisas diferentes.

A ideia é simples: olhe para o céu e diga “o céu é azul”. Agora olhe para o céu e diga “o céu é vermelho”. Você acha que alguma coisa no seu comportamento denunciou sua mentira? Provavelmente não. A expressão dos sinais de mentira depende de um conjunto de fatores. Entre os mais importantes estão: quanto maior a probabilidade de ser pego, e quanto mais está em jogo para o caso de uma mentira ser pega, mais essa mentira vai gerar respostas emocionais naquele que mente. E uma das formas pelas quais a mentira “vaza” mais expressivamente é através dessas emoções.


Em outras palavras: quanto mais importante é que sua mentira não seja percebida, mais provavelmente você deixará transparecê-la. Na área, isso recebe o nome de “efeito prejudicial da motivação”. Dizer “eu nunca te traí” provavelmente envolverá muito mais sinais de mentira do que dizer “o céu é vermelho”. É por isso que os estudos da em detecção de mentiras, assim como suas aplicações, têm focado nas chamadas mentiras de alto-risco, como aquelas envolvendo problemas legais e criminais.

A boa notícia é que o ser humano, de modo geral, é um péssimo detector de mentiras. Mesmo quando esses sinais estão presentes, a maioria das pessoas não conseguirá detectá-los, a menos que seja especificamente treinada para tal.


3 – Ter uma ereção
A esmagadora maioria dos problemas de disfunção erétil – dificuldades para iniciar e manter uma ereção – têm origem psicológica. Dado o fortíssimo impacto que esse tipo de problema pode ter na autoestima dos homens, a maioria tende a interpretar dificuldades de ereção da forma mais negativa possível, e seu primeiro impulso é buscar um médico, imaginando que só uma doença poderia justificar aquilo. Quando se fala em “causas psicológicas”, as pessoas erroneamente pensam “afinal, por quê eu vou querer ter problemas com ereção?”.

As ereções são provocadas por uma resposta parassimpática do sistema nervoso autônomo, e podem ser disparadas por uma variedade de estímulos, em especial aqueles ligados à excitação sexual. Se, concomitante a isso, o indivíduo estiver lidando com uma situação de stress, preocupação ou conflito, a ansiedade provocada terá um efeito inibidor sobre as respostas de excitação. Em outras palavras: um pensamento ou situação do tipo “eu não posso falhar!” provavelmente diminuirá suas chances de ter uma ereção.


A grande complicação desse problema é que ele tem um teor cíclico. Alguns homens experienciam uma primeira dificuldade de ereção por motivos bastante circunstanciais: cansaço, álcool, ou preocupações ligadas a problemas não relacionados ao sexo. Por ser extremamente frustrante, o “broxar” gera efeitos intensos. Poucos pensarão “tudo bem, da próxima vez dá certo”, sendo o pensamento mais provável algo como “meu deus, estou com um problema, não estou sendo homem, nunca mais vou conseguir transar!”. Essa preocupação constitui aquilo que é chamado ansiedade de desempenho, e é uma das causas mais comuns para dificuldade de ereção. Quanto maior for o medo de falhar, mais constantes os pensamentos antecipatórios, e mais importante é a situação que exige um bom desempenho, maiores serão os efeitos dessa ansiedade, e maiores as chances de falhar de fato. E quanto mais o indivíduo falhar de fato, maior será o seu medo de que isso volte a acontecer.

Algumas formas de lidar com isso incluem tentar não preocupar-se antecipadamente com relações sexuais, não focar a atenção na própria ereção durante o sexo, e na relação sexual dar um tempo maior para preliminares. Essas medidas ajudarão a reduzir a ansiedade e potencializar a excitação sexual.

Vale dizer que, se estiver com problemas sérios e persistentes relativos ao sono ou à ereção, procure um profissional especializado.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Como fazer resoluções de ano novo

Na virada de 31 de dezembro de 2007 para 1º de janeiro de 2008, decidi pela primeira vez na vida tirar um tempo para escrever resoluções de ano novo. Sentei, pensei, e fiz uma lista de todas as coisas que eu queria mudar em mim e na minha vida. Não me lembro inteiramente do conteúdo da lista que fiz, mas se não me engano continha oito ou nove itens. Lembro-me de ter passado essa lista para o computador, e comprometer-me em pelo menos lê-la uma vez por dia.

O compromisso de ler a lista todos os dias não durou nem um mês. Com o tempo, eu passei a esquecer que a lista e seus objetivos existiam. No final do ano, recapitulei as resoluções para ver o quão bem sucedido eu havia sido. O fracasso beirou 100%. Minha vida estava mais ou menos a mesma coisa, e eu não havia atingido com solidez nenhuma daquelas mudanças.

Fiquei frustrado, e também um pouco curioso. "Por que será?" Eu me considero uma pessoa relativamente competente em manejar a própria vida. O que teria dado errado?


Desde então, não havia feito novos planejamentos para os anos seguintes. Até porque sou do tipo de pessoa que acredita que os movimentos de mudança devem começar imediatamente, e nunca na segunda-feira.

Esse ano (final de 2012), resolvi fazer novas resoluções. Dessa vez não seriam necessariamente resoluções, mas uma espécie de planejamento para 2013. Minha forma de pensar está diferente, e dessa vez eu acredito que possa estruturar algo que faça sentido. Escrevo este texto para compartilhar a forma como fiz esse planejamento, na esperança de que possa fazer sentido para mais alguém.

A diferença básica do que eu fiz agora para o que havia feito antes é a pergunta por trás do processo: Antes, "o que eu devo mudar na minha vida?". Agora, "como minha vida deve ser?". A diferença é sutil, mas importante: focar naquilo que deve ser mudado nos tira o foco dos campos de nossa vida onde as coisas estão indo bem. Não acredito que a vida de ninguém possa estar tão errada assim.

Meu planejamento seguiu dois passos que considero essenciais:

1 - O que eu preciso para me manter em equilíbrio?

Acredito que esta é a pergunta certa a ser feita. É uma pergunta que respeita a individualidade das pessoas. O que deixa uma pessoa bem não é necessariamente o que deixará a outra pessoa da mesma forma. Nossa cultura é cheia de regras e prescrições, e às vezes é difícil discernir o fato de que nem sempre valem para todas as pessoas. Fazendo uma busca no Google, encontrei listas com as resoluções mais comuns para o ano novo. Resultados pouco surpreendentes: perder peso, juntar dinheiro, aprender algo novo, parar de beber/fumar, etc. Por trás disso, existe uma noção forte de adequação, de ajustamento. Mais do que isso, existe uma parcialidade negativa muito grande na visão de nossos hábitos: parece ser simples entender por quê se deve perder peso ou parar de fumar, mas alguém já pensou por quê NÃO comer menos ou por quê NÃO parar de fumar? Algum motivo deve existir, e motivos fortes - ou então não seria tão difícil.

Como mencionei, o que é bom para uma pessoa não necessariamente vale para todo mundo. Ao refletir sobre o que é importante para você, respeite-se. Não repita as velhas respostas, pois é quase certo que os velhos fracassos a acompanharão.

A melhor maneira de responder a esta pergunta é observar o passado. Tenho um hábito de sempre tentar entender a origem de meus estados psicológico. Sobretudo quando estou bem, me pergunto: o que está acontecendo na minha vida que está me deixando bem? Quais são os elementos? Se você nunca se fez essa pergunta antes, olhe para trás agora e pense nos momentos da sua vida nos quais se sentiu bem, tranquilo. Não estou falando de breves instantes de prazer, mas de fases durante as quais esteve satisfeito com a própria vida. Pergunte-se: como era sua vida? Como era sua rotina? O que acontecia?

Acredito que, no meio das respostas, necessariamente estarão incluídos elementos ligados a relacionamentos interpessoais, e de alguma forma ligados a trabalho. Provavelmente também algo ligado a lazer/hobbie/descanso. Que elementos, exatamente, variam de pessoa para pessoa. Apesar da pergunta simples - o que te deixa bem? - as respostas podem ser mais complexas.

Pense com cuidado para fazer essa lista, mas tente mantê-la a mais enxuta possível. Esses serão seus objetivos - quanto menos, mais realizáveis. Seja também realista com a origem do seu bem-estar e mal-estar. Se você deslocar os problemas para o lugar errado, a solução deles se tornará impossível.


2 - Organize seu tempo

Manter bons hábitos ou solucionar problemas exige tempo. Se você quer perder peso, precisa de tempo para ir à academia. Se você quer descansar mais, precisa de tempo para dormir, e para ficar deitado vendo televisão. Se você quer aprender inglês, precisa de tempo para ir às aulas e estudar em casa. Se você quer encontrar uma namorada, precisa de tempo para sair e conhecer pessoas. Não há escapatória: não vão existir mudanças sem um investimento adequado de tempo.

No geral, percebo que as pessoas utilizam seu tempo muito mal. Você já deve ter ouvido quase todo mundo dizem em algum momento "mas eu não tempo para isso!", quando na verdade sua rotina está cheia de pequenos períodos de perda de tempo que, somados, poderiam ser transformados em algo muito positivo. Encontrei essa charge no Facebook, e dadas as proporções achei genial:

(clique para ampliar)

Definitivamente, para todas as pessoas, vale a pena sentar e fazer um planejamento escrito do próprio tempo - uma espécie de agenda. Mesmo que você não consiga seguir seu planejamento à risca, ele vai te ajudar a descobrir esses pequenos períodos no dia que poderiam estar sendo melhor aproveitados, e vai te ajudar a perceber também quando você está usando tempo excessivo para coisas que te fazem mal.

O importante aqui é não desvincular o passo 2 do passo 1. Invista seu tempo naquilo que é importante para você. Apesar da frase com cheiro de chavão, acredito que é essa ideia que dá sentido a um planejamento de resoluções de ano novo. Sem um momento para reflexões desse tipo - que pode ser feito em qualquer dia do ano, não só no 31/12 - tendemos a correr no piloto automático, e manter-nos com os mesmos vícios e problemas.

Na dificuldade em lidar com problemas grandes demais ou na incapacidade de entender a si próprio e o que é realmente importante para você... tenho uma boa notícia: existem profissionais especificamente habilitados para te ajudar com essas questões. Procure um psicólogo!

Quanto às minhas resoluções pessoais... depois de algum tempo fazendo todo esse planejamento cuidadoso, cheguei à conclusão de que deveria manter minha rotina quase exatamente como está. Isso é bom: sinal de que estava conduzindo bem minha própria vida, e de que meu método de planejamento não é tão absurdo. Deixei também um espaço para tentar coisas novas, e para os imprevistos.

Feliz 2013!