quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Terapia comportamental: o que ela é, o que ela não é, o que ela deveria ser

A discussão sobre escolha de abordagens na Psicologia é sempre delicada. Alguns estudantes e profissionais encaram as abordagens como religiões: doutrinas a serem seguidas fanaticamente que implicam automaticamente na negação de formas diferentes de pensar. Outros como técnicas: todas são válidas, e sua escolha depende da demanda a ser atendida. Ainda que haja estudos demonstrando a maior eficácia de algumas formas de tratamento sobre outras em relação a certos problemas clínicos, por experiência posso dizer que no "mundo real" não existem abordagens terapêuticas absolutamente superiores. Eu pessoalmente acredito na superioridade da abordagem comportamental como modelo teórico e explicativo em relação às outras teorias da Psicologia, mas não tenho segurança em dizer que os terapeutas comportamentais são necessariamente os melhores terapeutas, por um motivo muito simples: a diferença na forma como terapeutas diversos trabalham é muito grande, mesmo dentro de uma única abordagem.

Acredito que dentro da Análise do Comportamento o problema é ainda maior, por se tratar de uma abordagem que não nasceu na clínica. A Psicanálise, por exemplo, é uma teoria que se desenvolveu dentro do consultório: sua visão de homem e forma de pensar os problemas humanos estão intimamente atrelados aos métodos terapêuticos que utiliza. O mesmo pode ser dito sobre outras formas de psicoterapia, como o Psicodrama e a Gestalt-Terapia. Assim sendo, há de se esperar que terapeutas nessas abordagens trabalhem de forma um pouco mais uniformizada. O mesmo não pode ser dito sobre a Análise Comportamental: é uma ciência que nasceu em laboratório, e seu modelo descritivo e explicativo não está intimamente atrelado a um modelo prescritivo, de modo que o domínio da teoria não implica em um direcionamento claro de como o trabalho psicoterapêutico deve ser conduzido. Terapeutas diferentes podem ter formas de trabalho muito distintas, e ainda assim serem considerados terapeutas comportamentais. Ainda que a diversidade que decorre disso possa ser vantajosa, a falta de clareza de como um terapeuta comportamental deve atuar pode gerar problemas.

Tanto no meio acadêmico como entre os profissionais da saúde, a terapia comportamental é conhecida por ser uma abordagem mais objetiva, focal, e com resultados mais rápidos. Essas são características atraentes tanto para alunos que buscam formação em psicoterapia quanto para clientes que querem trabalhar suas demandas em consultório. No entanto é feita uma confusão bastante problemática: o fato de serem focais e breves decorre da forma objetiva de se pensar o comportamento nesta abordagem; adotar uma visão comportamental torna o trabalho mais focal, e por isso mais veloz. O contrário não é verdadeiro: trabalhar de modo focal e rápido não necessariamente te faz um terapeuta comportamental.

O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL NÃO É
Dentre aquilo que vejo sendo praticado com o rótulo de terapia comportamental, há duas condutas e visões que considero bastante equivocadas.

Terapia como utilização de técnicas
Muitas técnicas foram desenvolvidas a partir do conhecimento da Análise do Comportamento, a maioria delas com eficácia incontestável. No entanto, a utilização destas técnicas não caracteriza uma terapia comportamental, da mesma forma que deitar em um divã não caracteriza uma sessão de análise. Frequentemente vejo pessoas buscando terapeutas comportamentais e sendo submetidas a um punhado de técnicas de relaxamento, tarefas de casa, folhas de registro, ensaios comportamentais e coisas do tipo. Obviamente são técnicas úteis em muitos casos, mas uma psicoterapia que se limita a isso será necessariamente pobre. Clientes que passam por terapias assim costumam ter resultados rápidos, porém limitados e pouco duradouros. A utilização da técnica não pressupõe conhecimento da teoria que a embasa, e por esse motivo, não é suficiente para caracterizar uma terapia como comportamental.


Terapia como conselhos
Essa ideia pode parecer boba e ridícula por motivos óbvios, mas é surpreendentemente mais comum do que se esperaria. Ouvir o cliente relatar seus problemas e dizer a ele como ele poderia agir é dar um conselho. O termo "conselho" soa feio ao se referir à conduta terapêutica, mas é o que acontece em momentos como:

Cliente: "Tenho me sentido muito sobrecarregado no trabalho... meu chefe me passa mais atribuições do que consigo executar."
Terapeuta: "Você não acha que deveria conversar com ele e dizer que não consegue?"

ou

Cliente: "Tenho tido muita dificuldade para dormir... vou deitar às 2h da manhã, e tenho que acordar às 6h, sinto sono o dia inteiro."
Terapeuta: "Que tal tentar deitar mais cedo?"

ou

Cliente: "Tenho tido gastos exagerados... todos os meus cartões estão com o limite estourado, e estou acumulando dívidas. Não consigo controlar minhas finanças".
Terapeuta: "Então vamos estabelecer um limite de o quanto você poderá gastar por mês?"

o que se resume a

Cliente: "Estou fazendo X."
Terapeuta: "Que tal fazer Y?"

Parece uma forma muito boba de se conduzir uma terapia, e é. Não pressupõe conhecimento teórico. Mas é uma forma focal e prática de lidar com demandas clínicas, e por esse motivo muita gente acredita que é assim que trabalha um terapeuta analítico-comportamental. Não é verdade. E além de tudo, não funciona.


ENTÃO O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL É?
A melhor resposta para essa pergunta seria dizer que é uma terapia que se fundamenta na ciência denominada Análise do Comportamento. Não sendo uma ciência de caráter prescritivo, não existe um direcionamento específico para como o analista do comportamento deve atuar em consultório, e é natural que os métodos de trabalho sejam diversos. O que deve existir de comum é que qualquer terapia que se denomine comportamental baseie toda sua forma de trabalho e seus métodos interventivos nessa teoria. Se o terapeuta não tem clareza da forma como a teoria embasa seu trabalho, ele não é um terapeuta comportamental.

O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL DEVERIA SER
Antes de ser uma terapia, a Análise Comportamental é uma teoria, um modelo explicativo, uma forma de entender os porquês do comportamento humano. O primeiro passo de uma análise comportamental é (adivinha!) analisar o comportamento. Se o cliente se comporta de forma que lhe traz sofrimento não é porque ele é burro. Se ele deixa de se comportar da forma que lhe faria bem, não é porque faltam conselhos. Em uma visão comportamental, os porquês estão ligados à uma análise funcional do comportamento. Ainda que numa visão descuidada algum comportamento possa parecer errado ou problemático, num olhar cuidadoso e teoricamente fundamentado, todo comportamento é funcional, todo e qualquer comportamento faz sentido dentro do contexto do indivíduo. A forma como ele se comporta é a forma como encontrou para atender as demandas de sua vida e de seu contexto. Sem essa compreensão, qualquer intervenção terapêutica tende a ser limitada e pouco efetiva.

Na graduação, quando estudamos a relação entre estímulos e respostas no respondente e no operante, a grande mágica da coisa é entender que, dada essa análise, sabemos exatamente o que no ambiente precisa ser mudado para que o comportamento mude. É lindo, e funciona. Em alguns casos essas relações são simples, mas na maioria das vezes bem complexas. Essa complexidade pode ser assustadora, mas nem por isso devemos deixar de enfrentá-la. Muitas vezes o processo terapêutico torna-se lento não porque lhe faltam intervenções efetivas, mas às vezes levamos tempo para fazermos uma boa análise funcional, para atingir uma compreensão adequada dos problemas do cliente.



Quando o terapeuta compreende a função do comportamento, a aceitação é uma decorrência natural. As noções de aceitação incondicional e não julgamento são bastante comuns em diversas psicoterapias. Na Análise Comportamental, a aceitação não é só uma questão ética, mas também teórica. A partir do momento em que se consegue fazer uma análise funcional do comportamento, todo comportamento passa a ser "certo". Mais do que isso, julgar o comportamento como certo ou errado não tem qualquer utilidade interventiva. O ponto de partida do terapeuta é compreender, e não avaliar.

Esse entendimento precisa ser dividido com o cliente. A maioria das pessoas que sofrem de problemas clínicos importantes têm pouca compreensão da origem e da manutenção de seus problemas. Muitas vezes, a partir do momento que adquirem maior conhecimento desses fatores, são capazes de tomarem decisões efetivas para solução de seus problemas. O indivíduo torna-se capaz de modificar seu ambiente de forma esclarecida, trazendo as mudanças desejadas ao próprio comportamento e a si mesmo. Passa a ter mais autonomia e independência no enfrentamento de seus problemas, o que viabiliza uma alta do processo terapêutico. A terapia deve ser promotora de autoconhecimento.

Nem sempre o autoconhecimento é suficiente para que as mudanças desejadas sejam atingidas. O terapeuta é uma parte especial do ambiente do cliente, e nesta posição pode criar contingências que favoreçam a aprendizagem e as modificações comportamentais desejadas, mesmo quando o ambiente externo não é tão favorável. Assim sendo, a função do terapeuta não é só informativa, mas contingencial, e por esse motivo deve estar muito atento a forma como se relaciona e se porta diante de seus clientes.

Por fim, ele pode sim utilizar técnicas, tarefas de casa, sessões extra-consultório, formulários de registro, ou qualquer outro instrumento que tiver à disposição, desde que aquilo faça sentido dentro da compreensão teórica que estabeleceu sobre o caso. Esses instrumentos são um meio, e jamais devem ser tomados como fim.

PALAVRAS FINAIS
Aos terapeutas comportamentais: estudem teoria.
Aos clientes de qualquer tipo de terapeuta e a todos os outros seres humanos: não adianta tentar resolver seus problemas se você não consegue compreender porquê eles existem.

Nota: Utilizei terapia comportamental e terapia analítico-comportamental como sinônimos ao longo do texto. Entendo que "terapia comportamental" pode se referir a outras coisas, mas aqui faço referência às terapias de base analítico-comportamental, que é o que importa nos dias de hoje.

domingo, 27 de setembro de 2015

Anabolizante psicológico

Há não muito tempo atrás, uma referência de homem forte seria alguém assim:


Ou no máximo assim:


Hoje, homens com esses corpos não se destacariam tanto. Homens que buscam um corpo realmente musculoso colocam metas mais altas como:


E até:


Mas a mudança cultural não foi acompanhada por mudanças biológicas proporcionais. Não há motivos para acreditar que um homem dos dias de hoje esteja fisiologicamente mais apto para o desenvolvimento de massa muscular do que os homens de quatro décadas atrás. Ainda que avanços no campo do treinamento e da alimentação favoreçam o crescimento muscular, o fato bem conhecido é que qualquer homem realmente forte nos dias de hoje toma ou já tomou algum tipo de anabolizante.

É o tipo de coisa que todo mundo faz mas ninguém fala. O uso indevido de anabolizantes pode causar diversos prejuízos a saúde. Mas o uso controlado é o que torna possível que um homem de quase 50 anos de idade tenha um corpo assim.


Não se iluda: todos esses bombadinhos que você vê por aí usam ou já usaram. O intuito desse texto não é advogar a favor nem contra. Mas para eu chegar onde quero, vamos entender o que realmente é um anabolizante.
Os esteróides androgênicos anabólicos (EAA ou AAS - do inglês Anabolic Androgenic Steroids), também conhecidos simplesmente como anabolizantes, são uma classe de hormônios esteróides naturais e sintéticos que promovem o crescimento celular e a sua divisão, resultando no desenvolvimento de diversos tipos de tecidos, especialmente o muscular e ósseo. São substâncias geralmente derivadas do hormônio sexual masculino, a testosterona, e podem ser administradas principalmente por via oral ou injetável. (Wikipedia)
Portanto, o que um anabolizante faz a grosso modo é suplementar a produção natural de testosterona do corpo, o que é feito com objetivos de aumento de ganho muscular.

Além dos efeitos colaterais e dos prejuízos pelo mal-uso, um dos problemas com o uso de anabolizante é que seus efeitos não são duradouros. Após o término de um ciclo do uso do medicamento, os níveis de testosterona do usuário voltam a baixar, e muitas vezes ocorre perda significativa do ganho obtido pelo seu uso. Ainda que haja métodos para minimizar essas perdas, a maioria dos homens, após algum tempo, sentem necessidade de voltar a realizar um ciclo para manter o crescimento muscular. Com o uso prolongado de substâncias desse tipo, a produção natural de testosterona do corpo pode diminuir, fazendo com que a pessoa experiencie perda de massa muscular e outros efeitos indesejáveis.

Foi isso o que provavelmente aconteceu com Vitor Belfort, por exemplo: começou a lutar em uma época na qual se fazia vista grossa para o uso dessas substâncias. Quando os eventos se tornaram mais rígidos em relação a testes anti-dopping, parou de usar anabolizantes, mas como seus níveis naturais de testosterona já estavam muito baixos, precisou fazer TRT (terapia de reposição hormonal - o que não é tão diferente). Depois que o UFC baniu o TRT, as mudanças tanto no corpo quanto no desempenho de Belfort foram nítidas.


Por esse motivo, aqueles que realmente se dedicam ao crescimento muscular investem em outros métodos para elevação dos níveis de testosterona, sobretudo adaptações no treinamento e mudanças na alimentação.

O que pouca gente sabe é que a produção de testosterona é bastante sensível a fatores psicológicos, e que o controle adequado desses fatores pode levar a um aumento natural na produção desse hormônio sem a utilização de qualquer substância ou artifício externo.


Além da regulação de atividades fisiológicas, diversos estudos experimentais e correlacionais vem mostrado que níveis elevados de testosterona estão ligados a um aumento em:
  • Agressividade/dominância
  • Interesse sexual
  • Energia, disposição e foco
  • Bem-estar geral e auto-estima
  • Egoísmo
O que vem sendo questionado recentemente, no entanto, é se a relação entre níveis de testosterona e tais variáveis psicológicas é unidirecional. Em outras palavras, o questionamento feito é: um nível elevado de testosterona pode predispor um indivíduo a agir de forma mais dominante... mas agir de forma dominante poderia também elevar os níveis de testosterona?

Há um bocado de estudos que dão suporte a essa ideia. Comecemos pelos animais. Em espécies sociais hierarquizadas, como macacos, o líder do grupo costuma exibir níveis de testosterona mais elevados do que os outros indivíduos. Se em função de alguma disputa ou incidente o líder é substituído, aquele macaco que assumir a liderança apresenta rápidas e imensas elevações nos seus níveis de testosterona. Ou seja, estar em uma posição de liderança/dominância provoca grandes elevações na produção desse hormônio.

Em animais é observado também que logo antes do início de uma disputa (por exemplo, quando machos vão lutar pelo direito de acasalar com uma fêmea), o nível de testosterona dos competidores sofre uma pequena elevação. Terminada a disputa, a testosterona do vitorioso tem um aumento muito maior, e a testosterona do perdedor tem uma grande queda.

Os mesmos efeitos têm sido observados com humanos em situações de competição, como em disputas esportivas ou mesmo em videogames.

Allan Mazur é o propositor de um modelo de reciprocidade entre variáveis psicológicas e níveis de testosterona. O autor considera que o correlato comportamental principal da testosterona é a dominância. É fácil entender como as características psicológicas descritas acima são úteis para alguém que busca ou mantém uma posição de liderança. Do mesmo modo, é vantajoso que indivíduos em posições de submissão tenham um baixo nível de agressividade, interesse sexual e egoísmo, pois eles poderiam ser uma ameaça para a organização hierárquica do grupo. Não coincidentemente, níveis altos de testosterona estão associados a comportamentos anti-sociais, o que faz sentido em indivíduos que não ocupam posições de liderança, mas também não se submeteriam às normas grupais. Um outro dado interessante é que homens apaixonados e casados têm uma queda nos níveis de testosterona, uma vez que se colocam em uma posição de maior colaboração e altruísmo.

Em um estudo bastante interessante, pessoas foram atribuídas aleatoriamente a dois grupos. Em um grupo, invidíduos deveriam passar dois minutos assumindo "power poses" (posturas de poder), enquanto as pessoas do outro grupo deveriam passar o mesmo tempo em posições de retraimento. Com apenas dois minutos de assunção da pose forçada, foram observadas mudanças significativas nos níveis de testosterona dos participantes: aqueles que estavam na postura de poder tiveram um aumento, enquanto que os demais sofreram o efeito oposto.


Eu poderia continuar revendo a literatura científica da área, mas acredito que a maioria das pessoas que está lendo isso se interessou na possibilidade de um "anabolizante psicológico" e não se importa tanto com as firulas científicas, então vou direto ao ponto: existe uma relação bidirecional entre dominância e testosterona. Da mesma forma que elevação na testosterona resulta numa predisposição a características psicológicas ligadas à dominância (agressividade, egoísmo, auto-estima elevada), assumir uma posição de dominância eleva a testosterona. Quando digo "assumir uma posição de dominância", incluo posturas corporais, pensamentos e comportamentos competitivos.

Ainda não existe um método cientificamente estabelecido para aplicabilidade desse conhecimento. É algo que eu gostaria de pesquisar futuramente. Mas a princípio conseguiria pensar em duas formas de induzir um aumento dos níveis T de modo psicológico.

  1. O primeiro deles é mais difícil e provavelmente mais efetivo, que seria uma mudança duradoura de atitude: comportar-se (e pensar) de forma mais dominante, talvez agressiva, competitiva, com algum tipo de imposição de superioridade. Isso seria mais fácil, obviamente, para um indivíduo que ocupa uma posição compatível (como um chefe). Se não for o caso, exigiria um grande nível de esforço mental, e um trabalho psicológico que talvez eu não consiga descrever aqui... mas basicamente, uma espécie de auto-lavagem cerebral.
  2. O segundo é mais fácil, mais simples, embora não saiba dizer o quão efetivo seria, e envolveria exercícios pontuais, como a adoção das posturas de dominância (power poses) em horários específicos, e talvez alguns exercícios de imagem mental para simulação de situações de dominância (cenários mentais). Até jogar video-game poderia gerar algum tipo de resultado, desde que você vença (obviamente) e que envolva algum nível de tensão (não pode ser muito fácil). Eu sei que os níveis de testosterona do homem variam muito rapidamente e flutuam ao longo do dia, então não saberia dizer com exatidão os melhores momentos para isso. Mas começaria pensando numa rotina pré-exercícios, envolvendo posturas e atividades competitivas resultando em vitória, e uma rotina mental deitado na cama logo antes de dormir, com imaginação de cenários de dominância.
Em poucas palavras: não importa que você seja realmente foda. O importante é que você acredite nisso, e aja de acordo.

Experiência pessoal: quando comecei a levar essas ideias a sério e sintonizar minha cabeça e meu comportamento com o "modo dominante", ganhei 1,5kg em uma semana, o que para mim é muita coisa, nunca tive ganhos tão rápidos. Não tenho certeza se foi reflexo de um aumento de produção de testosterona, mas me parece plausível. O problema mesmo, de um ponto de vista psicológico, foi manter essa sintonia: cansa, torna-se artificial e desgastante.


Acredito que esse seja mais um campo a ser melhor explorado e estudado, e ainda não existem boas respostas. Mas a mudança de hábitos ou criação de rotinas psicológicas parece ser uma ferramenta promissora para o aumento natural da produção de testosterona, o que poderia se converter em melhores ganhos na academia, além de outros benefícios para a saúde mental e física.

É importante destacar também que a testosterona e o cortisol (hormônio ligado ao estresse) são reciprocamente inibidores. A exposição frequente prolongada a situações de estresse aumenta a produção de cortisol, o que bloqueia os efeitos da testosterona além de promover outros efeitos indesejáveis como perda de libido, mal-estar, disfunções eréteis, aumento no acúmulo de gordura e baixa imunidade. Válido dizer que o estresse, assim como a dominância, não está necessariamente relacionado à exposição a situações bastante estressoras, mas à forma como se lida com elas - para algumas pessoas, mesmo situações cotidianas simples podem gerar muita preocupação e estresse, o que teria um efeito na produção de cortisol. Portanto, para que se atinja os resultados desse possível método, é fundamental manter a saúde mental em dia.

Veja também:
Relatos de um homem que dobrou sua produção natural de testosterona com alimentação, treinamento e mudança de hábitos.

Posturas de macho alfa nos exercícios para aumento da testosterona.

Modelo de Allan Mazur da reciprocidade entre dominância e testosterona.

Amy Cuddy falando sobre postura corporal, auto-confiança e testosterona (TED Talk)

*Observação: toda a discussão feita nesse texto refere-se a testosterona em homens. O funcionamento desses processos em mulheres pode variar.

sábado, 27 de junho de 2015

Porque o psicólogo não pode ser homofóbico

Após a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos e da onda de fotos coloridas no Facebook, a discussões entre os defensores da igualdade e os homofóbicos esquentou nas redes sociais. Assim como todos aqueles que são a favor dos direitos iguais quiseram defender essa bandeira através de suas fotos de perfil, muitas pessoas que são contra as relações homoafetivas também sentiram-se pressionadas a se posicionar.

Essa briga existe desde que o mundo é mundo, e é claro que não é agora que ela vai se resolver. Quando criticados, um dos principais argumentos das pessoas homofóbicas é "eu tenho direito de ter minha opinião, se você não a aceita intolerante é você". Até certo ponto faz sentido. Realmente concordo que uma pessoa tem direito a se posicionar contra relações homossexuais, contra o casamento homossexual ou qualquer coisa ligada à homossexualidade. Se uma pessoa adota para si uma religião que condena a homossexualidade, nada mais coerente do que ela própria condenar também. É um posicionamento pessoal, e deve ser respeitado (dentro de limites legais e éticos).

No entanto, me incomoda um pouco o fato de ver muitos psicólogos e alunos do curso de Psicologia adotando esse posicionamento, e o defendendo abertamente. No meu entendimento, é incompatível ser psicólogo e ser contra a homossexualidade ou as relações homoafetivas, independente de qualquer individualidade e idiossincrasia do profissional da Psicologia. Escrevo este texto para tentar explicar o porquê.



Ainda que no campo teórico exista muita pluralidade em relação ao que a Psicologia é – quais seus métodos e objetos de estudo, em que conceitos e instrumentos deve se pautar – enquanto profissão a Psicologia é bastante singular. A Organização Mundial de Saúde define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. A Psicologia é frequentemente considerada como uma profissão da área da saúde, e uma das batalhas da classe é assegurar nosso espaço como responsáveis pela promoção da saúde de indivíduos e grupos. Sendo assim, em qualquer contexto no qual trabalhe, o objetivo de um psicólogo sempre será promover o bem-estar físico, mental e social (sobretudo os dois últimos) das pessoas.

Esse objetivo, obviamente, não é exclusivo da Psicologia. Poder-se-ia argumentar que uma prostituta, de algum modo, trabalha para promover o bem-estar do seu cliente. Vários outros profissionais trabalham com objetivos similares. O que distingue a Psicologia é o tipo de procedimentos e conhecimentos nos quais se fundamenta. Ainda que existam discussões internas sobre a legitimidade do uso do termo “ciência”, qualquer conhecimento dito psicológico deve ter bases científicas, ou então será apenas senso comum. O curso de Psicologia é longo e caro; acredito que ninguém se dispõe a passar cinco anos no banco da faculdade para, depois de formado, trabalhar na base do senso comum. Sendo assim, acho razoável dizer que a profissão da Psicologia envolve o uso de conhecimentos psicológicos científicos para promoção do bem-estar de indivíduos e grupos. Sem exceções.

Sob essa ótica, para que um psicólogo se posicione contra qualquer tipo de relação homossexual, ele deve acreditar que este tipo de comportamento ou característica do indivíduo possa lhe trazer algum prejuízo à sua saúde e ao seu bem-estar. De fato, por muito tempo o homossexualismo foi considerado uma doença (por isso o –ismo), sendo listada no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) como um desvio sexual. Essa noção caiu há mais de 40 anos, e desde 1973 a homossexualidade oficialmente deixou de ser considerada um transtorno mental. A posição adotada então, e que vigora até hoje, é que a homossexualidade não é doença, e por isso não deve ser tratada como tal.

O fato de não ser uma doença não implica, evidentemente, que não deva ser alvo de intervenções psicológicas. Qualquer prática ou característica individual que traga sofrimento ao indivíduo, a princípio, pode ser um foco de intervenção por parte de um psicólogo. A pergunta agora é: a homossexualidade é um fator de sofrimento para o indivíduo? Se sim, como deve ser tratado?


Como quero ter o máximo de embasamento científico para o que estou falando, decidi fazer uma busca para saber se homossexuais são menos felizes que heterossexuais. Para minha surpresa, encontrei indicativos de que sim em um estudo que afirma que homossexuais têm maior risco de desenvolver transtornos mentais.

“Taxas de depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, auto-lesão, pensamentos suicidas e dependência de álcool e drogas foram significativamente maiores nos respondentes homossexuais. Quatro porcento tiveram um episódio depressivo na última semana, comparados com dois porcento das pessoas heterossexuais. A taxa de dependência de álcool foi de 10% versus 5%, e de auto-lesão foi de 9% versus 5%. A propoção de pessoas homossexuais que se descreveram como sendo razoavelmente ou muito felizes foi de 30%, versus 40% das pessoas heterossexuais”.

Ainda que as diferenças numéricas não sejam grandes, o fato de serem estatisticamente significativas parecem um forte argumento a favor daqueles que defendem a homossexualidade como algo negativo do ponto de vista psicológico. Mas não surpreendentemente, a explicação adotada pelos pesquisadores que têm chegado a esses dados está justamente nessa visão da homossexualidade como algo negativo:

“Há várias razões pelas quais as pessoas gays podem ter maior propensão a relatar dificuldades psicológicas, o que inclui dificuldades no desenvolvimento em um mundo orientado por normas heterossexuais, os valores e a influência negativa do estigma social contra a homossexualidade.”

Ou seja, paradoxalmente, é justamente o preconceito, mesmo travestido de tentativas de "ajudar" os homossexuais, é que faz com que sofram. Não há indícios científicos concretos de que a orientação sexual de uma pessoa esteja inerentemente acompanhada de sofrimento ou mal-estar; este sofrimento acontece quando sua condição não é aceita.


Falando em pesquisa, alguns outros dados que encontrei:

Sobre diferenças na personalidade, em vários traços as lésbicas tendem a ter características próximas aos homens heterossexuais, assim como homens gays tendem a ter traços de personalidade próximos a mulheres heterossexuais. Essa diferença de traços de personalidade tem paralelos em diferenças no funcionamento cerebral. No entanto, para além da masculinidade-feminilidade, não parece haver diferenças importantes na personalidade entre homossexuais e heterossexuais.

Quanto à união homoafetiva, há estudos internacionais que mostram que ela tende a ser tão estável quanto as uniões heteroafetivas. Além disso, outros estudos mostram que crianças criadas por casais do mesmo sexo não têm uma vida pior do que crianças criadas por casais homem-mulher.

Sendo assim, além do fato de se relacionarem afetiva e sexualmente com pessoas do mesmo sexo, não existe nenhuma característica em pessoas homossexuais que poderia ser um fator de sofrimento. E se não traz sofrimento, não deve ser alvo de intervenção psicológica.

Mais do que isso, diante do que se tem documentado até hoje, a orientação sexual é efetivamente “intratável”. Não existem relatos científicos confiáveis de qualquer procedimento capaz de modificar a orientação sexual de uma pessoa. Aqueles que se dizem “ex-gays” são pessoas que conseguiram se conter no sentido de não se engajar em relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, mas isso não implica que algo na sua sexualidade ou preferência sexual efetivamente tenha sido modificado. Além disso, relatos de tentativas da chamada “terapia de conversão” têm mostrado efeitos psicológicos bastante indesejáveis nos participantes, eventualmente resultado em suicídio.

Poder-se-ia argumentar que a homossexualidade é um problema psicológico legítimo para alguém que vive em um contexto homofóbico, pois essa pessoa sofrerá por ser vítima de preconceito. Várias vezes já ouvi homossexuais dizendo “se eu pudesse escolher, seria muito mais fácil ser heterossexual”, assim como pais de homossexuais dizendo “eu não quero que meu filho seja gay por medo de que sofra preconceito”. Mudar para se “ajustar ao meio” não é em si de todo indesejável. Mas quando é o próprio interesse de mudança que traz sofrimento ao indivíduo e essa mudança nem mesmo é possível, deixamos de ter um problema tratável. Se o psicólogo quer realmente trazer saúde e bem-estar a essa pessoa, o único caminho possível é a aceitação.


O ponto ao qual quero chegar é: para a Psicologia a homossexualidade é apenas uma característica individual, não é uma doença, ou um problema, ou um transtorno, ou nada que possa ser patologizável. Essa não é a posição de algumas psicologias, e sim da profissão como um todo. Sendo assim, não cabe ao psicólogo julgar a homossexualidade como algo ruim. Aquele que o faz está colocando seus próprios valores pessoais (ou morais, ou religiosos, ou familiares, ou quaisquer que sejam) na frente da sua profissão. A pessoa que vai até um psicólogo está em busca de um saber científico que possa trazer-lhe bem-estar, e não de uma pessoa que vá tentar lhe impor seus próprios valores pessoais.

O problema do psicólogo homofóbico não é só a homofobia, porque se fosse ele poderia, em tese, simplesmente não atender homossexuais (como já vi muitos estudantes de psicologia declarando que não fariam) e continuar sendo um bom profissional com o resto da população. Mas um psicólogo incapaz de exercitar aceitação acima de seus valores individuais simplesmente não está sendo profissional. Essa pessoa estará fazendo um péssimo exercício da profissão.

Peço a todos os meus alunos, estudantes e profissionais da área que tenham preconceito com qualquer tipo de população que pensem com muito carinho no seu verdadeiro papel enquanto psicólogo, e também nessas pessoas as quais estão rejeitando. No final das contas, tudo se resume ao que efetivamente nos fará bons profissionais capazes de trazer bem estar àqueles que procuram nosso trabalho. Aqueles que não conseguem encontrar em si a capacidade de aceitar o ser humano incondicionalmente (pois a aceitação precede qualquer trabalho do Psicólogo), pelo menos se esforcem um pouquinho para não denegrir a profissão daqueles que estão tentando fazer a coisa do jeito certo.

Veja também: