domingo, 13 de novembro de 2011

Profilaxia psicológica

Hoje, domingo de manhã, como de habitual fui à academia. Geralmente acordo tarde aos domingos, e como minha academia fecha às 13h eu vou assim que acordo. Como bastante antes de ir para ter algum tipo de reserva energética. Há algumas semanas, passei um pouco mal na academia em um domingo, provavelmente por fazer muito esforço logo depois de acordar e de ter comido tanto. Depois disso fico sempre um pouco apreensivo com a chance de passar mal novamente.

Voltando a hoje, depois de meu primeiro exercício, senti uma taquicardia, não muito forte. Pode ser pelo exercício em si, ou por algum pensamento passageiro que tive. Imaginei que fosse passar logo. Continuei fazendo meus exercícios. A verdade é que os sintomas físicos de ansiedade são muito semelhantes a um cansaço comum decorrente de esforço físico, de forma que eu não soube distinguir bem. Por esse motivo, a aparente ansiedade continuou. Estava ligeiramente incômoda, fiquei pensando se ela poderia atrapalhar meu desempenho, e senti o impulso de ir embora da academia.

Por sorte eu sou um psicólogo, e conheço alguns mecanismos por trás da manutenção de sintomas de ansiedade. Se eu tivesse ido embora aquelas sensações passariam (tanto a aparente ansiedade quanto o cansaço físico), mas certamente eu voltaria a me sentir ansioso da próxima vez que fosse à academia (especialmente aos domingos), talvez até um pouco mais ansioso do que hoje. Se continuasse interpretando aquela ansiedade como sinal de que deveria ir embora, essa mesma ansiedade iria aumentando progressivamente, e chegaria a algo muito semelhante a um quadro de transtorno de pânico. Por isso fiquei, e terminei meus exercícios sem nenhum problema.

A grande maioria dos transtornos psicológicos inclui um importante componente de ansiedade: o transtorno do pânico, fobias específicas, o transtorno obsessivo-compulsivo, o transtorno de ansiedade generalizada, o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, a dependência química, e mesmo a depressão. Todos eles são problemas psicológicos que, em algum grau, envolvem sintomas de ansiedade e comportamentos desadaptativos com função reguladora da ansiedade. Por esse motivo, o tratamento de tais problemas necessariamente passa por estratégias de controle de ansiedade, como técnicas de relaxamento e etc. Esse é o trabalho da Psicologia.

Pouco se fala, no entanto, das possibilidades de prevenção de tais problemas. Ainda que, em alguns casos, problemas psicológicos sérios decorram de algum tipo de trauma ou evento que tenha gerado um estado agudo de ansiedade, mais comumente os sintomas desenvolvem-se gradualmente, aos poucos, ao longo do tempo, assim como meu hipotético-futuro transtorno do pânico. A grande maioria das pessoas aprende a conviver com qualquer tipo de pequeno problema psicológico, habituam-se, até que ele se torne grande e insuportável, quando será muito mais difícil de ser tratado, e as possibilidades de sucesso são mais limitadas.

Uma forma de profilaxia de problemas psicológicos seria a aprendizagem do manejo de sintomas de ansiedade antes do desenvolvimento de um quadro mais grave, de um transtorno propriamente dito. Resolvi escrever esse post para dar dicas simples mas importantes, que podem ajudar a evitar problemas mais sérios no futuro.

1 - Não fuja da ansiedade
Como eu mencionei acima, fugir da ansiedade geralmente não é uma boa ideia. Na maioria das vezes, estados mais agudos de ansiedade tendem a passar por si só, uma vez que o corpo não consegue manter um estado de excitação nervosa por muito tempo. Quando você se engaja em qualquer comportamento de evitação, como por exemplo, sair do lugar onde está, ou deixar de fazer alguma coisa potencialmente ansiogênica, essa evitação tem dois efeitos: a diminuição imediata do estado de ansiedade, e a potencialização do poder ansiogênico daquela situação no futuro. Se você se sente levemente ansioso em um momento que necessita falar em público e opta por não fazê-lo, sua decisão te deixará mais tranquilo naquele momento, mas na próxima vez que precisar falar em público, essa ansiedade antecipatória será ainda maior.

O que acontece é que, ao engajar-se em evitação, você está exercitando um comportamento com função reguladora de ansiedade. E como tudo que se exercita, ele fica cada vez mais forte. A longo prazo, ele se torna tão poderoso que a sensação é de incapacidade de fazer as coisas. Por exemplo, os rituais compulsivos do transtorno obsessivo-compulsivo são reguladores de ansiedade. Por serem praticados centenas de vezes ao longo da vida, a pessoa com TOC descreve a sensação de não conseguir evitar se engajar nos rituais. Algo semelhante acontece com o consumo de substâncias que causam dependência.

Sendo assim, tome cuidado com os comportamentos cuja função é deixá-lo menos ansioso. Aprenda a aceitar a ansiedade, por mais contra-intuitivo que isso pareça ser.

2 - Não evoque ansiedade
No meu post anterior falei sobre o poder nocivo dos pensamentos. Vários pensamentos podem gerar ansiedade, como a antecipação de eventos importantes, a preocupação com o futuro, a interpretação negativa de eventos, ou "se eu ficar na academia posso passar mal". Até certo ponto é fácil controlar tais pensamentos, mas até certo ponto não. O fato é que tais pensamentos costumam ser de pouco utilidade prática para nós, e por esse motivo não há razão para deliberadamente se engajar em correntes de pensamento assim. Elas geram ansiedade. Evite-as. Troque tais pensamentos por outros menos ansiogênicos, como lembrar-se de algum filme que assistiu, o capítulo de ontem da novela, alguma música que gosta, etc.

3 - Organize-se
Existe uma forte relação entre imprevisibilidade e ansiedade. Não saber quando as coisas vão acontecer gera ansiedade, mesmo que tais eventos estejam sob seu controle. Se você tem liberdade para organizar o seu tempo, faça-o de forma antecipada, sistemática e rotineira. Tenha horários fixos para estudar, alimentar-se, dormir, para o lazer, etc. Por mais cômoda que a atitude do "vamos ver o que estou a fim de fazer agora" possa parecer, a falta de uma rotina de horários costuma gerar procrastinação, realização mal-feita das tarefas, e ansiedade.

4- Faça coisas que lhe tragam prazer
Após escrever esse subtítulo, paro por um momento para pensar no absurdo que acabei de escrever. “Faça coisas que lhe tragam prazer”. Será que é mesmo necessário pedir, dizer, ou até mandar que as pessoas façam coisas que gostem? A resposta muitas vezes é sim, infelizmente. Nossa cultura carrega um nível muito forte de masoquismo.

  • Comer é bom, por isso faz mal. Se a comida for boa, pior ainda. Quanto mais eu comer, maiores serão as consequências negativas.
  • Exercícios físicos, por outro lado, são chatos e cansativos, por isso fazem bem.
  • Trabalhar é cansativo, chato e desagradável, por isso faz bem. Devemos trabalhar o máximo possível.
  • Ficar em casa assistindo televisão é muito bom, ou seja, é perda de tempo.


É claro que esse masoquismo existe em níveis diferentes em pessoas diferentes, mas não é raro encontrar aqueles que se privam deliberada e conscientemente de qualquer coisa que lhes tragam prazer. Prazer faz bem. Pessoas com alto nível de privação de atividades prazerosas têm uma tendência alta de desenvolver problemas psicológicos. Elas começam a obter satisfação de formas desadaptadas. É o que acontece, por exemplo, com pessoas em estados avançados de depressão que começam a se cortar. Por mais incompreensível que pareça aos outros, cortar-se pode ser a única forma de obter algum tipo de satisfação na rotina daquela pessoa. Pessoas que se cortam descrevem uma sensação de alívio quando o fazem, e às vezes têm dificuldade para parar com esse hábito. Além desse exemplo um pouco extremo, existem outras maneiras mais sutis pelas quais obtem-se satisfação de uma forma que ao mesmo tempo nos trás prejuízos. Aprenda a dosar obrigações e lazer. Divirta-se.


Ainda que pareçam dicas bobas de revista feminina, estas estratégias simples são a base da manutenção de níveis saudáveis de ansiedade. Mais do que dicas, são habilidades a serem exercitadas. E como tudo que se exercita, elas ficam cada vez mais fortes. Os mais consagrados tratamentos psicológicos para os mais sérios dos transtornos psicológicos obedecem exatamente aos mesmos princípios descritos aqui. Mas a dificuldade do tratamento é maior, e a velocidade dos resultados é mais lenta quando os problemas de ansidade estão em estágios avançados. Previna-se.

quarta-feira, 9 de março de 2011

O poder nocivo dos pensamentos


O transtorno obsessivo compulsivo (TOC) é um quadro psicológico caracterizado por dois elementos principais: 1) as obsessões, que são pensamentos desagradáveis, geralmente com conteúdos de antecipação de algo trágico (como a morte de familiares), e de caráter invasivo (a pessoa sente que não tem controle sobre eles); e 2) as compulsões, que são comportamentos ou rituais de qualquer tipo que têm função de eliminar as obsessões. Compulsões podem ter formas variadas.


Mariana vai lavar um prato depois do almoço, e de repente é acometida pelo pensamento de que a mãe vai morrer. Ela sente que se lavar o prato com aquilo em mente, o pensamento vai se concretizar. Não importa o quão irracional seja o pensamento: ela SENTE que vai acontecer. E por isso ela lava o prato tentando pensar algo positivo. Mas não consegue. Frustrada, ela lava o prato de novo, desta vez tentando manter o pensamento “certo”. Não consegue, e lava de novo... e de novo... e de novo...

Assim funciona o TOC. Mas este não é um texto sobre TOC, e não é sobre qualquer tipo de transtorno ou “doença” psicológica; é um texto sobre pessoas comuns, e como elas funcionam.

O exemplo do TOC é um caso extremo para mostrar como pensamentos desagradáveis podem gerar ansiedade e desconforto. Pessoas com casos graves de TOC podem lavar um prato, ou tomar um banho, ou fazer uma oração dezenas de vezes até se darem por satisfeitas. Aos olhos externos, aqueles comportamentos são absurdos; mas a pessoa com TOC prefere fazer aquilo à se submeter ao desconforto dos pensamentos obsessivos.

No nosso dia-a-dia, frequentemente nos deparamos com pensamentos desagradáveis também: preocupações com eventos futuros, medos sobre infortúnios, antecipação de momentos importantes, arrependimentos de coisas que fizemos, planejamentos, etc. Esses pensamentos geram ansiedade. Pode parecer uma asserção óbvia à primeira vista, mas não é. A maioria das pessoas ansiosas não sabem identificar com clareza a origem de sua ansiedade. Elas não sabem que, inadvertidamente, produzem sua própria ansiedade através de seus pensamentos.

Determinado nível de ansiedade é normal. Até certo ponto, é inevitável que pensamentos como os citados acima gerem algum nível de ansiedade. O problema ocorre quando tais pensamentos se perpetuam por um tempo maior do que o necessário, e a ansiedade se torna mais crônica, generalizada, e parece estar desvinculada de tais pensamentos, sem causa aparente.

Ao contrário do que acontece no TOC, muitas vezes nos engajamos deliberadamente em pensamentos ansiógenos.


Marcelo vai fazer uma apresentação na faculdade na próxima semana. Ele domina bem o tema e geralmente não tem dificuldades visíveis para falar em público, mas está ansioso. Ele não quer que nada saia errado. Ele fica pensando sobre como vai ser, o que pode acontecer de errado. Revê o texto várias vezes, escreve lembretes em locais visíveis de sua casa. Às vezes ele reconhece que não há motivos para achar que algo sairá errado, e fica se convencendo de que tudo vai sair bem, relembrando todas suas apresentações passadas nas quais nada deu errado. Mas mesmo fazendo isso, ele está deliberadamente se engajando em pensamentos que lhe trazem ansiedade.

Marcelo poderia me argumentar: “eu só estou me precavendo para que nada dê errado na apresentação!”, ou então “quando eu digo para mim mesmo que nada vai dar errado, isso me faz sentir melhor!”. Marcelo está certo. O problema é que, independentemente do conteúdo exato de tais pensamentos, eles geram ansiedade a partir do momento que fazem parte daquele grupo temático ao qual o evento ansiógeno está ligado: a apresentação.

Note que não há de fato nada a ser decidido sobre a apresentação de Marcelo. Uma vez que ele de fato domina o assunto, os pensamentos desse grupo temático não parecem ter qualquer utilidade. Apesar disso, Marcelo pode se engajar em tais pensamentos por muito tempo, e quanto mais o fizer, mais ansioso ficará.

O exemplo de Marcelo ainda não parece muito nocivo por tratar de um evento pontual (uma apresentação). As coisas se complicam quando os pensamentos giram em torno de algo que está no passado, ou em algum lugar incerto do futuro, como futuro profissional, incômodos em relacionamentos, frustrações passadas, ou etc. Não existe um fim determinado para quando tais pensamentos devem acabar. Algumas pessoas têm mesmo o hábito de pensar demais sobre praticamente tudo que acontece em suas vidas. Essas pessoas são muito ansiosas.


Os seres humanos são treinados a resolverem problemas através do pensamento. É uma habilidade incrível da qual somos dotados. E funciona! O problema é que nem sempre usamos essa capacidade de forma adequada. Deixo claro: pensar sobre problemas não é um problema! Apenas quando o fazemos em excesso, e sem visar uma resolução.


Diego acabou de terminar um namoro de dois anos com Aline. Depois de dois anos de desgaste, Diego sabe que não há como seu relacionamento com Aline possa dar certo, mas mesmo assim ele ainda gosta dela e pensa nela. Quando sente saudades de Aline, Diego fica pensando no que ela está fazendo naquele momento, como ela está. Fica relembrando de bons e maus momentos da história dos dois. Fica imaginando diálogos completos com ela. Diego não pretende voltar com Aline, e na verdade nenhum desses pensamentos parece ter qualquer propósito. Mas eles deixam Diego ansioso, e mesmo assim, Diego os cultiva todo o tempo.


Então, o que fazer? Simplesmente devo parar de pensar nas coisas que me trazem ansiedade?

Sim!

Exercício para pessoas ansiosas

1 – Nossa mente não para de funcionar, formando uma corrente de pensamentos mais ou menos conexa que flui de forma quase automática. Aprenda a identificar seus pensamentos. Observe-se. No quê você pensa?
2 – Quando perceber que passa muito tempo pensando em problemas específicos, pergunte-se: Este pensamento me ajuda? Estou chegando a uma solução? Ele visa um objetivo final?
3 – Se a resposta for “não”, tente cortar o pensamento. Simplesmente substitua-o por algo completamente não relacionado... como um filme, um jogo de futebol, algo interessante que leu. Não tente argumentar, racionalizar ou corrigir o pensamento; apenas substitua-o. E, é claro, não troque um problema por outro.
4 – Seu pensamento “chato” irá voltar, sem dúvidas. Continue expulsando-o de sua consciência. Em algum momento ele vai se cansar e parar de te perturbar.

Isso funciona para diminuir os níveis de ansiedade? Minha experiência em consultório tem mostrado que sim. É simples, mas não é fácil. É um hábito que deve ser exercitado. Faça o teste.