quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Terapia comportamental: o que ela é, o que ela não é, o que ela deveria ser

A discussão sobre escolha de abordagens na Psicologia é sempre delicada. Alguns estudantes e profissionais encaram as abordagens como religiões: doutrinas a serem seguidas fanaticamente que implicam automaticamente na negação de formas diferentes de pensar. Outros como técnicas: todas são válidas, e sua escolha depende da demanda a ser atendida. Ainda que haja estudos demonstrando a maior eficácia de algumas formas de tratamento sobre outras em relação a certos problemas clínicos, por experiência posso dizer que no "mundo real" não existem abordagens terapêuticas absolutamente superiores. Eu pessoalmente acredito na superioridade da abordagem comportamental como modelo teórico e explicativo em relação às outras teorias da Psicologia, mas não tenho segurança em dizer que os terapeutas comportamentais são necessariamente os melhores terapeutas, por um motivo muito simples: a diferença na forma como terapeutas diversos trabalham é muito grande, mesmo dentro de uma única abordagem.

Acredito que dentro da Análise do Comportamento o problema é ainda maior, por se tratar de uma abordagem que não nasceu na clínica. A Psicanálise, por exemplo, é uma teoria que se desenvolveu dentro do consultório: sua visão de homem e forma de pensar os problemas humanos estão intimamente atrelados aos métodos terapêuticos que utiliza. O mesmo pode ser dito sobre outras formas de psicoterapia, como o Psicodrama e a Gestalt-Terapia. Assim sendo, há de se esperar que terapeutas nessas abordagens trabalhem de forma um pouco mais uniformizada. O mesmo não pode ser dito sobre a Análise Comportamental: é uma ciência que nasceu em laboratório, e seu modelo descritivo e explicativo não está intimamente atrelado a um modelo prescritivo, de modo que o domínio da teoria não implica em um direcionamento claro de como o trabalho psicoterapêutico deve ser conduzido. Terapeutas diferentes podem ter formas de trabalho muito distintas, e ainda assim serem considerados terapeutas comportamentais. Ainda que a diversidade que decorre disso possa ser vantajosa, a falta de clareza de como um terapeuta comportamental deve atuar pode gerar problemas.

Tanto no meio acadêmico como entre os profissionais da saúde, a terapia comportamental é conhecida por ser uma abordagem mais objetiva, focal, e com resultados mais rápidos. Essas são características atraentes tanto para alunos que buscam formação em psicoterapia quanto para clientes que querem trabalhar suas demandas em consultório. No entanto é feita uma confusão bastante problemática: o fato de serem focais e breves decorre da forma objetiva de se pensar o comportamento nesta abordagem; adotar uma visão comportamental torna o trabalho mais focal, e por isso mais veloz. O contrário não é verdadeiro: trabalhar de modo focal e rápido não necessariamente te faz um terapeuta comportamental.

O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL NÃO É
Dentre aquilo que vejo sendo praticado com o rótulo de terapia comportamental, há duas condutas e visões que considero bastante equivocadas.

Terapia como utilização de técnicas
Muitas técnicas foram desenvolvidas a partir do conhecimento da Análise do Comportamento, a maioria delas com eficácia incontestável. No entanto, a utilização destas técnicas não caracteriza uma terapia comportamental, da mesma forma que deitar em um divã não caracteriza uma sessão de análise. Frequentemente vejo pessoas buscando terapeutas comportamentais e sendo submetidas a um punhado de técnicas de relaxamento, tarefas de casa, folhas de registro, ensaios comportamentais e coisas do tipo. Obviamente são técnicas úteis em muitos casos, mas uma psicoterapia que se limita a isso será necessariamente pobre. Clientes que passam por terapias assim costumam ter resultados rápidos, porém limitados e pouco duradouros. A utilização da técnica não pressupõe conhecimento da teoria que a embasa, e por esse motivo, não é suficiente para caracterizar uma terapia como comportamental.


Terapia como conselhos
Essa ideia pode parecer boba e ridícula por motivos óbvios, mas é surpreendentemente mais comum do que se esperaria. Ouvir o cliente relatar seus problemas e dizer a ele como ele poderia agir é dar um conselho. O termo "conselho" soa feio ao se referir à conduta terapêutica, mas é o que acontece em momentos como:

Cliente: "Tenho me sentido muito sobrecarregado no trabalho... meu chefe me passa mais atribuições do que consigo executar."
Terapeuta: "Você não acha que deveria conversar com ele e dizer que não consegue?"

ou

Cliente: "Tenho tido muita dificuldade para dormir... vou deitar às 2h da manhã, e tenho que acordar às 6h, sinto sono o dia inteiro."
Terapeuta: "Que tal tentar deitar mais cedo?"

ou

Cliente: "Tenho tido gastos exagerados... todos os meus cartões estão com o limite estourado, e estou acumulando dívidas. Não consigo controlar minhas finanças".
Terapeuta: "Então vamos estabelecer um limite de o quanto você poderá gastar por mês?"

o que se resume a

Cliente: "Estou fazendo X."
Terapeuta: "Que tal fazer Y?"

Parece uma forma muito boba de se conduzir uma terapia, e é. Não pressupõe conhecimento teórico. Mas é uma forma focal e prática de lidar com demandas clínicas, e por esse motivo muita gente acredita que é assim que trabalha um terapeuta analítico-comportamental. Não é verdade. E além de tudo, não funciona.


ENTÃO O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL É?
A melhor resposta para essa pergunta seria dizer que é uma terapia que se fundamenta na ciência denominada Análise do Comportamento. Não sendo uma ciência de caráter prescritivo, não existe um direcionamento específico para como o analista do comportamento deve atuar em consultório, e é natural que os métodos de trabalho sejam diversos. O que deve existir de comum é que qualquer terapia que se denomine comportamental baseie toda sua forma de trabalho e seus métodos interventivos nessa teoria. Se o terapeuta não tem clareza da forma como a teoria embasa seu trabalho, ele não é um terapeuta comportamental.

O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL DEVERIA SER
Antes de ser uma terapia, a Análise Comportamental é uma teoria, um modelo explicativo, uma forma de entender os porquês do comportamento humano. O primeiro passo de uma análise comportamental é (adivinha!) analisar o comportamento. Se o cliente se comporta de forma que lhe traz sofrimento não é porque ele é burro. Se ele deixa de se comportar da forma que lhe faria bem, não é porque faltam conselhos. Em uma visão comportamental, os porquês estão ligados à uma análise funcional do comportamento. Ainda que numa visão descuidada algum comportamento possa parecer errado ou problemático, num olhar cuidadoso e teoricamente fundamentado, todo comportamento é funcional, todo e qualquer comportamento faz sentido dentro do contexto do indivíduo. A forma como ele se comporta é a forma como encontrou para atender as demandas de sua vida e de seu contexto. Sem essa compreensão, qualquer intervenção terapêutica tende a ser limitada e pouco efetiva.

Na graduação, quando estudamos a relação entre estímulos e respostas no respondente e no operante, a grande mágica da coisa é entender que, dada essa análise, sabemos exatamente o que no ambiente precisa ser mudado para que o comportamento mude. É lindo, e funciona. Em alguns casos essas relações são simples, mas na maioria das vezes bem complexas. Essa complexidade pode ser assustadora, mas nem por isso devemos deixar de enfrentá-la. Muitas vezes o processo terapêutico torna-se lento não porque lhe faltam intervenções efetivas, mas às vezes levamos tempo para fazermos uma boa análise funcional, para atingir uma compreensão adequada dos problemas do cliente.



Quando o terapeuta compreende a função do comportamento, a aceitação é uma decorrência natural. As noções de aceitação incondicional e não julgamento são bastante comuns em diversas psicoterapias. Na Análise Comportamental, a aceitação não é só uma questão ética, mas também teórica. A partir do momento em que se consegue fazer uma análise funcional do comportamento, todo comportamento passa a ser "certo". Mais do que isso, julgar o comportamento como certo ou errado não tem qualquer utilidade interventiva. O ponto de partida do terapeuta é compreender, e não avaliar.

Esse entendimento precisa ser dividido com o cliente. A maioria das pessoas que sofrem de problemas clínicos importantes têm pouca compreensão da origem e da manutenção de seus problemas. Muitas vezes, a partir do momento que adquirem maior conhecimento desses fatores, são capazes de tomarem decisões efetivas para solução de seus problemas. O indivíduo torna-se capaz de modificar seu ambiente de forma esclarecida, trazendo as mudanças desejadas ao próprio comportamento e a si mesmo. Passa a ter mais autonomia e independência no enfrentamento de seus problemas, o que viabiliza uma alta do processo terapêutico. A terapia deve ser promotora de autoconhecimento.

Nem sempre o autoconhecimento é suficiente para que as mudanças desejadas sejam atingidas. O terapeuta é uma parte especial do ambiente do cliente, e nesta posição pode criar contingências que favoreçam a aprendizagem e as modificações comportamentais desejadas, mesmo quando o ambiente externo não é tão favorável. Assim sendo, a função do terapeuta não é só informativa, mas contingencial, e por esse motivo deve estar muito atento a forma como se relaciona e se porta diante de seus clientes.

Por fim, ele pode sim utilizar técnicas, tarefas de casa, sessões extra-consultório, formulários de registro, ou qualquer outro instrumento que tiver à disposição, desde que aquilo faça sentido dentro da compreensão teórica que estabeleceu sobre o caso. Esses instrumentos são um meio, e jamais devem ser tomados como fim.

PALAVRAS FINAIS
Aos terapeutas comportamentais: estudem teoria.
Aos clientes de qualquer tipo de terapeuta e a todos os outros seres humanos: não adianta tentar resolver seus problemas se você não consegue compreender porquê eles existem.

Nota: Utilizei terapia comportamental e terapia analítico-comportamental como sinônimos ao longo do texto. Entendo que "terapia comportamental" pode se referir a outras coisas, mas aqui faço referência às terapias de base analítico-comportamental, que é o que importa nos dias de hoje.

Um comentário:

  1. uau! uma excelente explicação, não sou psicologo mas me interesso pelo assunto e faço terapia ha muitos anos!

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