Acredito que dentro da Análise do Comportamento o problema é ainda maior, por se tratar de uma abordagem que não nasceu na clínica. A Psicanálise, por exemplo, é uma teoria que se desenvolveu dentro do consultório: sua visão de homem e forma de pensar os problemas humanos estão intimamente atrelados aos métodos terapêuticos que utiliza. O mesmo pode ser dito sobre outras formas de psicoterapia, como o Psicodrama e a Gestalt-Terapia. Assim sendo, há de se esperar que terapeutas nessas abordagens trabalhem de forma um pouco mais uniformizada. O mesmo não pode ser dito sobre a Análise Comportamental: é uma ciência que nasceu em laboratório, e seu modelo descritivo e explicativo não está intimamente atrelado a um modelo prescritivo, de modo que o domínio da teoria não implica em um direcionamento claro de como o trabalho psicoterapêutico deve ser conduzido. Terapeutas diferentes podem ter formas de trabalho muito distintas, e ainda assim serem considerados terapeutas comportamentais. Ainda que a diversidade que decorre disso possa ser vantajosa, a falta de clareza de como um terapeuta comportamental deve atuar pode gerar problemas.
Tanto no meio acadêmico como entre os profissionais da saúde, a terapia comportamental é conhecida por ser uma abordagem mais objetiva, focal, e com resultados mais rápidos. Essas são características atraentes tanto para alunos que buscam formação em psicoterapia quanto para clientes que querem trabalhar suas demandas em consultório. No entanto é feita uma confusão bastante problemática: o fato de serem focais e breves decorre da forma objetiva de se pensar o comportamento nesta abordagem; adotar uma visão comportamental torna o trabalho mais focal, e por isso mais veloz. O contrário não é verdadeiro: trabalhar de modo focal e rápido não necessariamente te faz um terapeuta comportamental.
O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL NÃO É
Dentre aquilo que vejo sendo praticado com o rótulo de terapia comportamental, há duas condutas e visões que considero bastante equivocadas.
Terapia como utilização de técnicas
Muitas técnicas foram desenvolvidas a partir do conhecimento da Análise do Comportamento, a maioria delas com eficácia incontestável. No entanto, a utilização destas técnicas não caracteriza uma terapia comportamental, da mesma forma que deitar em um divã não caracteriza uma sessão de análise. Frequentemente vejo pessoas buscando terapeutas comportamentais e sendo submetidas a um punhado de técnicas de relaxamento, tarefas de casa, folhas de registro, ensaios comportamentais e coisas do tipo. Obviamente são técnicas úteis em muitos casos, mas uma psicoterapia que se limita a isso será necessariamente pobre. Clientes que passam por terapias assim costumam ter resultados rápidos, porém limitados e pouco duradouros. A utilização da técnica não pressupõe conhecimento da teoria que a embasa, e por esse motivo, não é suficiente para caracterizar uma terapia como comportamental.

Terapia como conselhos
Essa ideia pode parecer boba e ridícula por motivos óbvios, mas é surpreendentemente mais comum do que se esperaria. Ouvir o cliente relatar seus problemas e dizer a ele como ele poderia agir é dar um conselho. O termo "conselho" soa feio ao se referir à conduta terapêutica, mas é o que acontece em momentos como:
Cliente: "Tenho me sentido muito sobrecarregado no trabalho... meu chefe me passa mais atribuições do que consigo executar."
Terapeuta: "Você não acha que deveria conversar com ele e dizer que não consegue?"
ou
Cliente: "Tenho tido muita dificuldade para dormir... vou deitar às 2h da manhã, e tenho que acordar às 6h, sinto sono o dia inteiro."
Terapeuta: "Que tal tentar deitar mais cedo?"
ou
Cliente: "Tenho tido gastos exagerados... todos os meus cartões estão com o limite estourado, e estou acumulando dívidas. Não consigo controlar minhas finanças".
Terapeuta: "Então vamos estabelecer um limite de o quanto você poderá gastar por mês?"
o que se resume a
Cliente: "Estou fazendo X."
Terapeuta: "Que tal fazer Y?"
Parece uma forma muito boba de se conduzir uma terapia, e é. Não pressupõe conhecimento teórico. Mas é uma forma focal e prática de lidar com demandas clínicas, e por esse motivo muita gente acredita que é assim que trabalha um terapeuta analítico-comportamental. Não é verdade. E além de tudo, não funciona.
ENTÃO O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL É?
A melhor resposta para essa pergunta seria dizer que é uma terapia que se fundamenta na ciência denominada Análise do Comportamento. Não sendo uma ciência de caráter prescritivo, não existe um direcionamento específico para como o analista do comportamento deve atuar em consultório, e é natural que os métodos de trabalho sejam diversos. O que deve existir de comum é que qualquer terapia que se denomine comportamental baseie toda sua forma de trabalho e seus métodos interventivos nessa teoria. Se o terapeuta não tem clareza da forma como a teoria embasa seu trabalho, ele não é um terapeuta comportamental.
O QUE A TERAPIA COMPORTAMENTAL DEVERIA SER
Antes de ser uma terapia, a Análise Comportamental é uma teoria, um modelo explicativo, uma forma de entender os porquês do comportamento humano. O primeiro passo de uma análise comportamental é (adivinha!) analisar o comportamento. Se o cliente se comporta de forma que lhe traz sofrimento não é porque ele é burro. Se ele deixa de se comportar da forma que lhe faria bem, não é porque faltam conselhos. Em uma visão comportamental, os porquês estão ligados à uma análise funcional do comportamento. Ainda que numa visão descuidada algum comportamento possa parecer errado ou problemático, num olhar cuidadoso e teoricamente fundamentado, todo comportamento é funcional, todo e qualquer comportamento faz sentido dentro do contexto do indivíduo. A forma como ele se comporta é a forma como encontrou para atender as demandas de sua vida e de seu contexto. Sem essa compreensão, qualquer intervenção terapêutica tende a ser limitada e pouco efetiva.
Na graduação, quando estudamos a relação entre estímulos e respostas no respondente e no operante, a grande mágica da coisa é entender que, dada essa análise, sabemos exatamente o que no ambiente precisa ser mudado para que o comportamento mude. É lindo, e funciona. Em alguns casos essas relações são simples, mas na maioria das vezes bem complexas. Essa complexidade pode ser assustadora, mas nem por isso devemos deixar de enfrentá-la. Muitas vezes o processo terapêutico torna-se lento não porque lhe faltam intervenções efetivas, mas às vezes levamos tempo para fazermos uma boa análise funcional, para atingir uma compreensão adequada dos problemas do cliente.

Esse entendimento precisa ser dividido com o cliente. A maioria das pessoas que sofrem de problemas clínicos importantes têm pouca compreensão da origem e da manutenção de seus problemas. Muitas vezes, a partir do momento que adquirem maior conhecimento desses fatores, são capazes de tomarem decisões efetivas para solução de seus problemas. O indivíduo torna-se capaz de modificar seu ambiente de forma esclarecida, trazendo as mudanças desejadas ao próprio comportamento e a si mesmo. Passa a ter mais autonomia e independência no enfrentamento de seus problemas, o que viabiliza uma alta do processo terapêutico. A terapia deve ser promotora de autoconhecimento.
Nem sempre o autoconhecimento é suficiente para que as mudanças desejadas sejam atingidas. O terapeuta é uma parte especial do ambiente do cliente, e nesta posição pode criar contingências que favoreçam a aprendizagem e as modificações comportamentais desejadas, mesmo quando o ambiente externo não é tão favorável. Assim sendo, a função do terapeuta não é só informativa, mas contingencial, e por esse motivo deve estar muito atento a forma como se relaciona e se porta diante de seus clientes.
Por fim, ele pode sim utilizar técnicas, tarefas de casa, sessões extra-consultório, formulários de registro, ou qualquer outro instrumento que tiver à disposição, desde que aquilo faça sentido dentro da compreensão teórica que estabeleceu sobre o caso. Esses instrumentos são um meio, e jamais devem ser tomados como fim.
PALAVRAS FINAIS
Aos terapeutas comportamentais: estudem teoria.
Aos clientes de qualquer tipo de terapeuta e a todos os outros seres humanos: não adianta tentar resolver seus problemas se você não consegue compreender porquê eles existem.
Nota: Utilizei terapia comportamental e terapia analítico-comportamental como sinônimos ao longo do texto. Entendo que "terapia comportamental" pode se referir a outras coisas, mas aqui faço referência às terapias de base analítico-comportamental, que é o que importa nos dias de hoje.
uau! uma excelente explicação, não sou psicologo mas me interesso pelo assunto e faço terapia ha muitos anos!
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